domingo, 26 de junho de 2011

Hitler e as mulheres.

Dica de leitura: As mulheres dos Nazis
É verdade que o relacionamento de Hitler com Eva não tinha toda a urgência, pressão, intimidade e complicação que teve seu caso com Geli. Hitler havia se concentrado em todos os aspectos de Geli – desde suas partes íntimas (que ele observava) até seu progresso como estudante de canto (que ele incentivava). Não há indícios de que alguma coisa em Eva poderia levá-lo a um envolvimento apaixonado comparável ao que ele teve com Geli – nem o corpo, nem a personalidade, nem os interesses, nem a conversa ("e além disso", disse ele ao psicanalista, alguns anos mais tarde, "ela tem mais de trinta"). Os balanços nas barras paralelas ou as descidas montanha abaixo em esquis, nada disso tinha a mínima importância para ele, que tampouco notava os vestidos que ela usava. A alegre tagarelice da moça passava ao largo da cabeça dele; ela havia sido posta de lado pela crescente e total preocupação com política e poder. Mas ele a achava submissa, discreta, apropriada e, acima de tudo, relaxante (talvez a qualidade mais importante para ele numa vida que se tornava dia a dia dolorosamente exigente). Além disso, ela ficava bem ao lado dele. Se ele queria ter uma mulher no apartamento de Munique, no quartel-general dos Alpes, na chancelaria em Berlim, ela era a mulher ideal; sabia como se comportar muito melhor que uma raivosa e imatura Geli (que, inadequadamente, era do mesmo sangue).
Então, embora Hitler não amasse Eva tão intensa e eroticamente como tinha amado Geli ou mesmo Maria, ele estava feliz por tê-la a seu lado e ser visto com ela. Eva, com certeza, amava-o, admirava-o e estava feliz junto dele. Ele era seu homem. E, para um solitário como Hitler, que parece não ter tido mais que dois ou três amigos durante toda a vida, que não tinha nenhum outro tipo de vida privada porque não tinha a ambição de constituir uma família, de usufruir da vida doméstica, as conversas e os aconchegos de Eva eram suficientes – embora não deixassem muito espaço para suas formas favoritas de psicologia sexual masoquista ou para suas propensões a desvios comportamentais.
Numa entrevista dada muito depois do fim da guerra, a secretária particular de Hitler, Traudl Junge, que conheceu tanto Hitler como Eva, comentou:
Eva era um conforto para ele. Mas ele não dependia das mulheres. Estava tão obcecado por aquele ideal – ser o líder da nação alemã – que se sentia como um profeta. Portanto, as mulheres não desempenhavam papel central em sua vida. Foi por isso que ele não se casou antes; na verdade, isso só veio a acontecer no dia de sua morte. Ele também não tinha um grande ímpeto sexual. Para com Eva, era apenas uma espécie de sentimento cálido. Ela era uma das poucas pessoas em quem ele confiava totalmente. O que importava era a fidelidade dela. Nada mais. Ele a adorava por isso.
Se Geli foi o grande amor de Hitler, ele foi o grande amor de Eva. Por quê? Ela nunca explicou. Em parte, pelas mesmas razões pelas quais muitas outras o adoravam e que levaram algumas à morte. Traudl Junge explicou:
Era um homem excitante, embora de aparência não exatamente atraente. Mas ele tinha um brilho. Os olhos eram interessantes. E possuía uma espécie de charme – todos sabem que existe uma fascinação natural por pessoas extraordinárias, independente de quem sejam. Hitler tinha opinião antiquada quanto ao lugar da mulher; achava que tinha o direito de possuir a mulher que quisesse. Mas ele era muito charmoso. Como um homem pode ser com uma mulher. Tinha um jeito especial de flertar... Com Eva Braun, por exemplo, ele era suave, gentil, fraternal. Ele admirava a beleza e o sexo feminino. Mas acho que não era uma coisa erótica. Ele gostava de flertar, mas acho que tinha medo das conseqüências. Ele nunca ia muito longe. Não gostava de ser tocado; nem o médico podia tocá-lo durante um exame. Mas ele sempre colocava as mãos na testa das pessoas e gostava de acariciar a pele das mulheres. Não consigo imaginá-lo apaixonado, cheio de paixão. Ele não gostava de beijar ninguém. Tolerava quaisquer fraquezas por parte das mulheres, mas não aceitava que estivessem em posição de igualdade com os homens; ele não teria mulheres como parceiras. Até onde posso saber, ele não era um pervertido. Não era muito potente, e essa era a razão por que mantinha um relacionamento muito primitivo com as mulheres.
Do ponto de vista de Eva, certamente a dimensão deve ter sido outra. Ele foi seu primeiro e único amor. Não houve mais ninguém. A seus olhos ele representava seu destino e, à medida que ele crescia em posição e grandeza, também cresciam as aspirações dela – consorte do rei, não coroada, digamos assim, Imperatriz da Alemanha, apesar de desconhecida –, embora ela fosse, na maior parte do tempo, apenas uma consorte íntima e companheira secreta. E esse destino, ela o aceitaria com lealdade e amor, mesmo até a morte.
Adolf Hitler não era uma escolha fácil ou sincera para primeiro namorado de uma garota. Ele era não apenas muito mais velho que Eva Braun, mas também mais inteligente, mais instruído (em seu modo excêntrico e aleatório), mais articulado, infinitamente menos escrupuloso e muito menos simpático. Enquanto a visão que Eva tinha do mundo era míope, a dele era panorâmica. Enquanto Hitler queria mudar continentes, Eva se contentava em trocar de vestidos, o que fazia com freqüência. Enquanto Eva era uma espécie de namorada de gângster, doce e burguesa, o homem de sua vida era um gênio político ativo e cruel o suficiente para arruinar um continente. O que muito conta em favor de Eva, entretanto, é que ela possuía a habilidade de aplacar, subjugar e agradar – pelo menos dentro das paredes de um quarto – a desordenada, complexa e violenta personalidade do amado, cujas dificuldades e contradições o mundo até hoje tenta decifrar.
É provável que Eva nunca tenha realmente percebido que o amante, em cujos braços se deitava, nas noites de verão, sob o céu estrelado de Berchtesgaden, cuja gravata ela ajeitava com amor e cujas mãos acariciavam as suas, era, na verdade, um monstro, cujas barbáries contra o ser humano excediam as de Gêngis Khan e as de outros tiranos do passado, comparáveis apenas às dos outros déspotas de século XX, Joseph Stalin e Mao Tse Tung, que tinham a vantagem de contar com maiores populações para saquear. Hitler, sem dúvida, tinha um QI muito alto, com uma ampla gama de conhecimentos caoticamente não-relacionados e uma memória impressionante. Mas faltava-lhe uma educação superior básica. Sua mente, então, sem os limites impostos por um conhecimento sistemático e convencional, estava livre para se movimentar em qualquer direção que seus impulsos emocionais a levassem, geralmente, a extremos – daí o revolucionário político e o bárbaro criminoso em que se transformou mais tarde, acostumado que ficou ao morticínio em massa em razão de suas experiências no frontocidental durante a Primeira Guerra Mundial e seu conceito de "necessidade superior".
Emocionalmente, Hitler era um caos. Em parte, talvez, devido ao sistema comportamental sob o qual cresceu e, em parte, ao impacto negativo do pai violento, bêbado e sem amor – impacto esse que nem a afeição que ele sempre devotou à sua querida mas indefesa mãe conseguiu minimizar.
Muitos psicólogos e psicanalistas, inclusive os especialistas do serviço de inteligência (americanos, na maior parte), vêm tentando entender a mente de Hitler, desde os primeiros esforços do misterioso doutor Krueger, interpretando as evidências que lhes chegam às mãos, de acordo com a escola de pensamento à qual pertencem (geralmente freudianas). Mas, mesmo os amigos de Hitler do passado, que, ao contrário dos psicólogos de hoje, conviveram com ele, enchiam-se de espanto com os paradoxos de sua personalidade. Muitos anos mais tarde, Albert Speer comentaria que Hitler era "cruel, injusto, frio, caprichoso, não permitia aproximações, tinha autopiedade e era vulgar". E acrescentou: "Ele era também o exato oposto de quase todas essas coisas".
De especial e fundamental interesse tem sido a possibilidade, ou probabilidade, ou certeza, de uma relação de causa e efeito entre a vida particular de Hitler e sua carreira pública ou, para ser mais exato, entre a máscara sexual caótica e seu destrutivo e demoníaco modo de interpretar as coisas. Mas, embora sua carreira política possa ser bem compreendida e mapeada, sua vida sexual continua um intricado enigma; tanto aqueles que o conheceram (até onde era possível conhecê-lo), como aqueles que o estudaram a distância (com a vantagem de estarem em outro continente, ou em outra época, ou em ambas as situações ao mesmo tempo), fizeram uso das mais diversas denominações na descrição de Hitler, muitas delas especulativas, outras mais parciais, de acordo com visões muito pessoais.
Os rótulos que podem ser atribuídos a Hitler a partir do repertório psiquiátrico são muitos e incluem um ou diversos dos que se seguem, em combinações variadas: esquizofrênico, megalomaníaco, egocêntrico, hipocondríaco, paranóico, histérico, depressivo, com fobia a bactérias e a sífilis; e ainda mais (no âmbito da sexualidade): homossexual (improvável), impotente (quase certo, às vezes), sadomasoquista (sem dúvida, às vezes), coprofílico, monórquido, celibatário e todas essas coisas, ou algumas, ou nenhuma delas, ou outras.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com

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