sábado, 5 de outubro de 2024

ARTIGO: FRONTEIRAS DIGITAIS DA HISTORIOGRAFIA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA ERA DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

 

FRONTEIRAS DIGITAIS DA HISTORIOGRAFIA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA ERA DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Ana Isabel Braga de Aguiar – Historiadora e Especialista em Inteligência Artificial na Educação

Resumo:
Este artigo aborda as transformações que a era digital tem proporcionado à historiografia, especialmente no contexto das Humanidades Digitais. A digitalização de fontes e a criação de novas metodologias possibilitam um avanço na pesquisa histórica, mas também trazem desafios no que tange à curadoria de dados, mediação crítica e utilização de plataformas colaborativas. Explorando essas fronteiras, o artigo analisa como historiadores podem se beneficiar dessas inovações, ao mesmo tempo em que propõe uma reflexão sobre as implicações tecnológicas e metodológicas no campo da historiografia.

Palavras-chave: Historiografia Digital, Humanidades Digitais, Curadoria de Dados, Plataformas Colaborativas, Edições Críticas, Inteligência Artificial.


Introdução

Nas últimas décadas, a digitalização de documentos históricos e o avanço da tecnologia da informação abriram novas oportunidades para a prática historiográfica. As Humanidades Digitais, uma intersecção entre ciências humanas e tecnologia, têm oferecido novas abordagens para o estudo do passado, trazendo ferramentas inovadoras para a pesquisa, análise e interpretação de fontes históricas. Contudo, como qualquer avanço tecnológico, essas mudanças também vêm acompanhadas de desafios que os historiadores precisam enfrentar. Este artigo pretende discutir as fronteiras digitais da historiografia, enfocando o papel do historiador na mediação entre o conhecimento histórico e as novas tecnologias, e as novas possibilidades proporcionadas pela era digital.

Humanidades Digitais: Uma Nova Abordagem para a Historiografia

As Humanidades Digitais surgem como uma resposta ao volume crescente de informações e à transformação do meio digital como repositório de conhecimento. A historiografia, enquanto disciplina profundamente conectada às fontes primárias, tem sido impactada por essa mudança de suporte. Segundo Manovich (2002), a digitalização das fontes tem implicações não apenas para o acesso, mas também para a forma como interpretamos e narramos o passado. Os documentos históricos, que antes eram restritos a arquivos físicos, estão agora disponíveis online, permitindo que pesquisadores do mundo inteiro acessem e analisem simultaneamente essas fontes.

A vantagem das Humanidades Digitais, no entanto, não se restringe ao acesso facilitado. O campo permite novas formas de analisar e visualizar dados, como a criação de mapas históricos interativos, análises de redes sociais e até o uso de inteligência artificial para detectar padrões em grandes volumes de dados. Isso redefine não apenas as metodologias de pesquisa, mas também as narrativas construídas a partir dessas novas ferramentas.

O Papel do Historiador na Curadoria de Dados Digitais

Com o avanço das tecnologias digitais, os historiadores passaram a desempenhar um papel essencial como curadores de dados. A vasta quantidade de informações disponíveis na internet exige uma atenção especial para a seleção, interpretação e apresentação dessas fontes. Como afirma Gitelman (2013), "o dado bruto é uma ficção", e o trabalho do historiador se torna essencial na escolha de quais dados incluir em suas análises e de como contextualizá-los adequadamente.

Nesse sentido, a curadoria de dados digitais requer uma abordagem crítica que leve em consideração a autenticidade das fontes, a sua relevância e o seu impacto nas narrativas históricas. Além disso, o historiador precisa dominar as ferramentas digitais utilizadas para acessar e interpretar essas fontes, uma vez que as novas tecnologias muitas vezes moldam as narrativas de maneiras inesperadas.

Plataformas Colaborativas e a Democratização do Conhecimento Histórico

Outra inovação trazida pela era digital é o surgimento de plataformas colaborativas, que permitem uma democratização sem precedentes do conhecimento histórico. Ferramentas como enciclopédias digitais e bancos de dados colaborativos tornaram possível a contribuição de vários pesquisadores para o desenvolvimento de narrativas históricas. Essas plataformas permitem a criação de edições críticas de textos digitalizados, onde múltiplos autores podem contribuir para a análise e interpretação de uma fonte, tornando o processo historiográfico mais dinâmico e inclusivo.

Por exemplo, projetos como o Digital Public Library of America e o Europeana oferecem repositórios de documentos históricos digitalizados que podem ser acessados e utilizados por historiadores e o público em geral. Esse tipo de plataforma não apenas facilita o acesso a fontes históricas, mas também promove um trabalho colaborativo que enriquece a pesquisa.

Desafios e Limitações das Fontes Digitais

Embora as fontes digitais tragam inovações significativas para a historiografia, também apresentam desafios que os historiadores precisam considerar. Um dos principais desafios é a questão da confiabilidade das fontes. Ao contrário dos arquivos físicos, onde o contexto de produção de um documento é mais claro, as fontes digitais podem ser facilmente manipuladas ou descontextualizadas, o que impõe a necessidade de uma análise rigorosa por parte do historiador.

Outro desafio importante é a preservação digital. A transitoriedade de formatos digitais pode resultar na perda de informações valiosas ao longo do tempo. Segundo Duranti (2009), a preservação digital é um dos principais obstáculos para garantir que as futuras gerações tenham acesso a fontes históricas na era digital. O historiador, portanto, além de se preocupar com a análise crítica das fontes, também deve estar atento às questões de preservação e arquivamento digital.

Inteligência Artificial e as Novas Fronteiras da Pesquisa Histórica

Com o advento da inteligência artificial, novas possibilidades surgem para a pesquisa histórica. Ferramentas de machine learning e data mining podem ser utilizadas para identificar padrões em grandes volumes de dados históricos, permitindo que os historiadores façam descobertas que antes seriam impossíveis de serem percebidas devido à limitação humana na análise de grandes conjuntos de dados. No entanto, como argumenta Presner (2016), o uso de IA na historiografia deve ser acompanhado de uma abordagem crítica, garantindo que os resultados obtidos sejam contextualizados e não vistos como substitutos da análise humana.

O uso de IA na historiografia também levanta questões éticas e metodológicas. A automatização de certos processos historiográficos pode levar à padronização excessiva das narrativas históricas, o que pode resultar em interpretações simplistas ou reducionistas de eventos complexos. Assim, o historiador continua a desempenhar um papel central na interpretação dos dados gerados por essas ferramentas, garantindo que as narrativas históricas sejam ricas e contextualizadas.

Considerações Finais

A era digital tem desafiado os historiadores a repensarem suas práticas e a adaptarem suas metodologias às novas ferramentas e plataformas disponíveis. Embora as Humanidades Digitais ofereçam inúmeras oportunidades para a pesquisa histórica, elas também trazem desafios significativos, especialmente no que se refere à curadoria de dados, confiabilidade das fontes e preservação digital.

O papel do historiador, portanto, torna-se ainda mais crucial na mediação entre o passado e o presente digital. Ao dominar as novas tecnologias e atuar como curador e mediador de fontes digitais, o historiador não apenas preserva a integridade da pesquisa histórica, mas também contribui para uma compreensão mais profunda e plural do passado.

Referências Bibliográficas:

  • DURANTI, Luciana. Archives and Digital Preservation: The Preservation of the Integrity of Electronic Records. Chicago: University of Chicago Press, 2009.

  • GITELMAN, Lisa. Raw Data is an Oxymoron. Cambridge: MIT Press, 2013.

  • HARARI, Yuval Noah. Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.

  • MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2002.

  • PRESNER, Todd. Critical Theory and the Digital Humanities. Los Angeles: University of California Press, 2016.


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