domingo, 21 de dezembro de 2025

A Inteligência Artificial na Educação: um Sintoma, Não a Causa.

 



Professora Isabel Aguiar
Historiadora e Especialista em Inteligência Artificial na Educação


A presença da Inteligência Artificial (IA) na educação tem provocado debates intensos, muitas vezes marcados por receio, desconfiança e tentativas de proibição. No entanto, uma análise mais cuidadosa e fundamentada revela que a IA não é o principal problema da educação contemporânea. Ela atua, na verdade, como um espelho, evidenciando fragilidades estruturais que já existiam muito antes da sua popularização.

Como professora, historiadora e especialista em IA aplicada à educação, observo que toda inovação tecnológica, ao longo da história, foi inicialmente vista como ameaça. O livro impresso, o rádio, a televisão, a calculadora e a internet passaram por processos semelhantes de rejeição. A IA segue esse mesmo percurso histórico. A diferença é que, desta vez, ela expõe de forma ainda mais nítida contradições profundas do nosso modelo educacional.

A IA como Sintoma de um Sistema Educacional Fragilizado

O uso indiscriminado da IA por estudantes não pode ser analisado apenas sob a ótica da ética individual. Em grande parte, ele está relacionado a um sistema que prioriza a nota, a entrega rápida e a reprodução de respostas, em detrimento da construção do pensamento crítico, da compreensão histórica e da aprendizagem significativa.

Quando o estudante percebe que o objetivo central da avaliação é alcançar um número — e não demonstrar entendimento —, ele naturalmente buscará o caminho mais eficiente para atingir esse fim. Nesse contexto, a IA surge como uma ferramenta lógica, não como um desvio moral. O problema, portanto, não é a tecnologia em si, mas o modo como a aprendizagem vem sendo medida e valorizada.

Do ponto de vista científico e pedagógico, esse fenômeno dialoga com a chamada Lei de Goodhart, segundo a qual, quando um indicador se transforma em objetivo, ele deixa de cumprir sua função original. Na educação, a nota deixou de ser um instrumento diagnóstico e formativo e passou a ser o fim último do processo. A IA apenas evidencia essa distorção.

Avaliação: de Instrumento Pedagógico a Mecanismo de Controle

Historicamente, a avaliação deveria servir para compreender o percurso do estudante, identificar dificuldades e orientar intervenções pedagógicas. No entanto, em muitos contextos educacionais, ela foi reduzida a um mecanismo classificatório, burocrático e punitivo.

Esse modelo não estimula o pensamento autônomo, a análise crítica ou a reflexão histórica. Pelo contrário, favorece estratégias de memorização superficial e reprodução de conteúdos — práticas que podem ser facilmente automatizadas por sistemas de IA.

Dessa forma, proibir a tecnologia sem revisar as práticas avaliativas significa atacar o efeito e não a causa. A verdadeira transformação educacional exige repensar o que se avalia, como se avalia e, sobretudo, por que se avalia.

O Papel do Professor na Era da Inteligência Artificial

Longe de tornar o professor obsoleto, a IA reforça sua centralidade. Em um cenário em que informações são abundantes e respostas podem ser geradas automaticamente, o papel do educador se desloca para aquilo que não pode ser automatizado:

  • Mediação pedagógica qualificada

  • Contextualização histórica e social do conhecimento

  • Desenvolvimento do pensamento crítico e ético

  • Estímulo à autoria, à argumentação e à reflexão

  • Acompanhamento dos processos cognitivos dos estudantes

Como especialista em IA na educação, defendo que a tecnologia deve ser integrada de forma intencional, crítica e pedagógica, não como atalho para cumprir tarefas, mas como suporte para ampliar possibilidades de aprendizagem. Isso inclui propostas avaliativas que valorizem processos, análises autorais, debates, produções reflexivas e justificativas conceituais.

IA como Oportunidade de Transformação Educacional

A IA nos obriga a enfrentar uma pergunta essencial: o que realmente queremos formar em nossos estudantes? Se desejamos apenas respostas corretas, a tecnologia será sempre vista como ameaça. Mas se buscamos formar sujeitos críticos, historicamente conscientes e intelectualmente autônomos, a IA pode se tornar uma aliada poderosa.

Ela nos convida a deslocar o foco da simples execução de tarefas para a construção de sentido, da repetição para a interpretação, do acúmulo de informações para a compreensão profunda. Esse é um desafio pedagógico, ético e político — não tecnológico.

Conclusão

A Inteligência Artificial não criou a crise na educação. Ela apenas a tornou mais visível. Ao revelar fragilidades históricas nos modelos de ensino e avaliação, a IA nos oferece uma oportunidade rara: repensar práticas, redefinir prioridades e reconstruir sentidos.

Mais do que proibir ferramentas, é necessário qualificar o olhar pedagógico, fortalecer o papel do professor e resgatar a educação como espaço de reflexão, autoria e transformação social.



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