quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Água, o petróleo do século XXI


A cada ano, o líquido se torna mais escasso - e mais caro. Por isso, as empresas começam a tratá-lo como um tema estratégico. Saiba como elas administram esse valioso insumo

Por Rosenildo Gomes Ferreira
Durante muito tempo, a expressão escassez hídrica se limitou ao vocabulário de ambientalistas. Afinal, a maior parte das pessoas se recusava até mesmo a imaginar que a água, que cobre dois terços do planeta, poderia algum dia se tornar tão rara quanto o petróleo. Mas essa possibilidade existe. 
Um estudo conjunto das universidades americanas de Nova York e de Winsconsin dá a dimensão do problema. Os países desenvolvidos e emergentes gastam US$ 500 bilhões por ano para despoluir rios e córregos. 
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Tarasuk, da Pepsico.: investimento no reúso de água permitiu que as fábricas da
América do Sul antecipassem em cinco anos a meta global de economia
Nesse contexto, não será surpresa se, num futuro bem próximo, esse líquido assumir o mesmo papel representado atualmente pelo petróleo. As empresas, pelo menos, acordaram para isso e a questão já faz parte do planejamento estratégico de corporações de grande porte. 
“Cuidar da água se tornou sinônimo de mais dinheiro em caixa para as empresas. E, no longo prazo, pode garantir até mesmo a sobrevivência dos negócios”, destaca o engenheiro Diogo de Almeida, dono da consultoria paulistana Sharewater. Afinal, desde a confecção de roupas, passando pela fabricação de aço e a montagem de um automóvel, tudo depende desse elemento.

Nos últimos cinco anos, a brasileira Ambev conseguiu reduzir em 12% o gasto de água para cada litro de cerveja produzida. O montante caiu de 4,37 litros, em 2004, para 3,9 litros no ano passado. 
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Ganhos líquidos: Bassili (direita), da Ambev, e Roque (esquerda), da Accor, implementaram
recentemente políticas de redução de consumo e já colhem os resultados
A empresa atingiu essa meta com programas de reúso da água que seria desperdiçada no processo de produção. Todos os líquidos são tratados e retornam para as linhas industriais da companhia. 
A Ambev não revela o impacto disso no seu caixa. Mas fica evidente que não se trata de uma cifra pequena. Os 2,4 bilhões de litros economizados são suficientes para abastecer uma cidade de 400 mil habitantes durante um mês.  
“A gestão da água é uma das prioridades da companhia na área ambiental”, diz Sandro Bassili, diretor de assuntos socio-ambientais da Ambev. “Tanto que está programado um desembolso de R$ 40 milhões em ações ambientais, cujo destaque é a questão hídrica”, completa. Até 2012 a Ambev pretende reduzir o consumo em mais 11%, para 3,5 litros.  
Apesar de o viés ecológico ter assumido um lugar cada vez maior nos discursos dos executivos, o que move a mudança de postura nessa área são os mandamentos da cartilha capitalista. 
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No setor hoteleiro, a água responde pela segunda maior fonte de custos fixos. Perde apenas para a energia. Para reduzir as despesas, a direção da Accor Hospitality, controlada pelo grupo francês Accor, iniciou uma completa auditoria nas unidades da rede. 
As medidas incluíram desde o monitoramento e a eliminação de fontes de desperdício (como vazamentos) até a instalação de equipamentos para captação de água da chuva. Por último, foram instalados redutores de vazão em chuveiros, torneiras e caixas de descarga. 
Um desembolso estimado em R$ 250 mil para um hotel com 100 quartos. Nas unidades em que as medidas foram implantadas, o consumo caiu de 200 litros por hóspede/dia para 120 litros. 
“Trata-se de um gasto que pode ser recuperado em apenas três anos”, destaca Odair Roque, diretor de implantação da divisão Accor Hospitality. Por conta disso, a empresa tornou obrigatória a inclusão desses equipamentos nos projetos para abertura de novos empreendimentos ou na conversão de hotéis existentes a uma de suas bandeiras. 
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Indústria pesada: Eboli (direita), da GM, e Salgado (esquerda), da Usiminas, apostam
em mecanismos para tratamento de efluentes para baratear a produção
Apesar dos óbvios benefícios, Roque diz que enfrenta dificuldade para convencer os donos de hotéis que usam a bandeira da rede a adotar medidas semelhantes. “Muitos ainda enxergam esse investimento apenas como uma despesa”, lamenta o executivo. 
Isso, segundo o consultor Almeida, da Sharewater, acontece porque a água ainda é muito barata no Brasil. O custo de captação em rios ou poços artesianos, diz ele, varia de R$ 0,01 até R$ 1,50 por metro cúbico (mil litros). Isso, no entanto, não explica a história toda. 
Pelo lado estratégico, a interrupção do fornecimento pode fazer, por exemplo, com que a General Motors (GM) pare a área de pintura. O setor responde por 54% de todo o consumo da fábrica situada em São Caetano do Sul (SP). 
Nos últimos anos, essa unidade recebeu inúmeros investimentos visando reduzir a dependência de fontes externas de abastecimento. Hoje, o Departamento de Água e Esgotos (DAE) supre 30% da demanda da montadora. 
Além de estações de tratamento de efluentes, toda água que entra no complexo é reprocessada. Nem mesmo a água da chuva escapa. Ela corre por dutos e segue por galerias onde é tratada. 
“Os investimentos nos últimos 20 anos permitiram que a GM hoje economize US$ 50 no custo de fabricação de cada veículo”, diz Cláudio Eboli, diretor da GM. E isso vai se intensificar. 
Como a produção de cada unidade absorve 3,4 m³ de água, o equivalente à metade do consumo de uma pessoa por um mês, a ambição da montadora é suprir suas próprias necessidades sem precisar recorrer a empresas de abastecimento. “Vamos começar esse processo já em 2011”, adianta o executivo, sem revelar, no entanto, as plantas nas quais isso será feito. 
Poucas corporações, porém, foram tão ambiciosas nesse campo, quanto a Usiminas. No período 1995-2008 a siderúrgica mineira desembolsou US$ 130 milhões na construção de Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) e em sistemas de recirculação de água. Por conta disso, as plantas situadas em Ipatinga (MG) e Cubatão (SP) reaproveitam 95,4% da água que entra no sistema. 
“Só não chegamos a 100% porque uma parte evapora durante o processo produtivo”, diz Ricardo Salgado, superintendente de sustentabilidade da Usiminas. Para se ter uma ideia, os 4,6% que evaporaram em 2009 representam 62,3 milhões de m³ (62,3 bilhões de litros). 
O suficiente para abastecer uma cidade com população de 860 mil pessoas no mesmo período. E apesar de não pagar hoje pela água que obtém em poços artesianos, a direção da Usiminas mantém um controle rígido. 
“Em todos os projetos de expansão das fábricas, a gestão de recursos hídricos é colocada em primeiro plano”, conta ele. É bom mesmo porque a água gratuita está com os dias contados. Desde 2003, a Agência Nacional de Água (ANA) iniciou gestões para a cobrança pela captação em rios e lagoas.
Esse mecanismo acaba de ser implantado no rio São Francisco e a expectativa é arrecadar R$ 10 milhões até o final do ano. Isso já acontece, desde 2003, nas cidades banhadas pelo rio Paraíba do Sul, no eixo Minas-Rio-São Paulo, e na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (em Minas Gerai e São Paulo). 
Mas a tarifa de cerca de R$ 0,01 por m³ cobrada pela ANA, diz o dono da Sharewater, não seria, ainda, um elemento capaz de alterar sensivelmente a postura de grandes empresas. Afinal, o gasto adicional pode ser repassado ao preço final do produto ou serviço. 
“Na realidade, o que move as empresas é o temor da escassez desse produto e como isso poderá afetar seus negócios no futuro próximo”, destaca ele. Com isso em mente, a direção da americana PepsiCo. lançou um programa global para redução de consumo em suas fábricas. 
As ações incluem ainda projetos de cunho estrutural, como a melhora da qualidade no abastecimento de água para três milhões de pessoas no Brasil, na China, Gana e Índia. Pelo lado empresarial, no entanto, a divisão de salgadinhos da companhia na América do Sul já mostrou resultados. 
Completou neste ano a meta de redução, de 25% do consumo de água, prevista para 2015. Fez isso por meio de medidas simples e outras que exigiram grandes desembolsos. “Uma delas foi a instalação de um aerador no sistema de jateamento de água do cortador de batatas. 
Custou R$ 10 por peça e garantiu uma economia mensal de cinco mil metros cúbicos de água nas 29 plantas da região”, conta Jorge Tarasuk, vice-presidente de operações da divisão de alimentos da PepsiCo. para a América do Sul. 
Na Colômbia, contudo, foi preciso gastar US$ 3 milhões na implantação de um equipamento de raios ultravioleta para o tratamento de esgoto. Dessa forma, a unidade atingiu um índice de 70% no reaproveitamento da água. “O tempo de tomar medidas cosméticas com objetivo de marketing ficou para trás”, opina o dono da Sharewater.
Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br

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