Numa abordagem antropológica, a identidade é uma
construção que se faz com atributos culturais, isto é, ela se caracteriza pelo conjunto de elementos
culturais adquiridos pelo indivíduo
através da herança cultural. A identidade confere diferenças aos grupos
humanos. Ela se evidencia em termos da
consciência da diferença e do contraste do outro.
Ao longo de nossa
história, na qual a colonização se fez presente, a escravidão e o
autoritarismo contribuíram para o
sentimento de inferioridade do negro brasileiro. A ideologia da degenerescência
do mestiço, o ideal de branqueamento e o
mito da democracia racial foram os mecanismos
de dominação ideológica mais poderosos
já produzidos no mundo, que permanecem ainda no imaginário social, o que dificulta a ascensão social do negro, pois este é visto como indolente e
incapaz intelectualmente.
A política de
branqueamento que caracterizou o racismo no Brasil foi gerada por ideologias e
pelos estereótipos de inferioridade e/ou superioridade raciais. A ideologia do
branqueamento teve como objetivo propagar que não existem diferenças raciais no
país e que todos aqui vivem de forma harmoniosa, sem conflitos (mito da
democracia racial). Além desses
aspectos, projeta uma nação branca que, através do processo de miscigenação,
irá erradicar o negro da nação brasileira, supondo-se, assim, que a opressão
racial acabaria com a raça negra pelo processo de branqueamento. Essa tese é
apresentada pelo Brasil ao mundo.
Gilberto Freire foi um dos
pioneiros desse “ mito da democracia
racial” apregoando que existe, no
Brasil, a igualdade de oportunidades para brancos, negros e mestiços. A disseminação
desse mito permitiu esconder as
desigualdades raciais, que eram constatadas nas práticas discriminatórias de
acesso ao emprego, nas dificuldades de mobilidade social da população negra,
que ocupou e ocupa até hoje os piores lugares na estrutura social, que
frequenta as piores escolas e que recebe
remuneração inferior à do branco pelo mesmo trabalho e tendo a mesma
qualificação profissional. A falta de conflitos étnicos não caracteriza
ausência de discriminação, muito pelo contrário, o silêncio favorece o “status
quo” que, por sua vez, beneficia a
classe dominante.
O movimento negro vem
denunciando com freqüência o tratamento discriminatório recebido pelos negros,
lutando não só para eliminar as políticas de inferiorização com respeito às
diferenças raciais, mas também pela igualdade de oportunidade, que é a ética da
diversidade.
O nosso cotidiano escolar
está impregnado do mito da democracia racial – um dos aspectos da cultura da classe dominante que a
escola transmite-, pois representa as
classes privilegiadas e não a totalidade da população, embora haja contradições
no interior da escola que possibilitam problematizar essa cultura hegemônica,
não desprezando as diversidades culturais trazidas pelos alunos. Assim, apesar
de a escola inculcar o saber dominante, essa educação problematizadora poderia
tornar mais evidente a cultura popular.
A proposta de uma educação
voltada para a diversidade coloca a
todos nós, educadores, o grande desafio de estar atentos às diferenças econômicas, sociais e
raciais e de buscar o domínio de um saber crítico que permita interpretá-las.
Nessa proposta educacional
será preciso rever o saber escolar e também investir na formação do educador,
possibilitando-lhe uma formação teórica
diferenciada da eurocêntrica. O currículo monocultural até hoje divulgado
deverá ser revisado e a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras
culturas. E a escola terá o dever de dialogar com tais culturas e reconhecer o
pluralismo cultural brasileiro.
Talvez pensar o
multiculturalismo fosse um dos caminhos para combater os preconceitos e
discriminações ligados à raça, ao gênero, às deficiências , à idade e à
cultura, constituindo assim uma nova ideologia para uma sociedade como a nossa
que é composta por diversas etnias, nas quais as marcas identitárias, como cor da pele, modos de falar,
diversidade religiosa, fazem a diferença
em nossa sociedade. E essas marcas são
definidoras de mobilidade e posição social na nossa sociedade.
Nós, como educadores,
temos a obrigação não só de conhecer os mecanismos da dominação cultural, econômica, social e política, ampliando os nossos conhecimentos antropológicos, mas
também de perceber as diferenças étnico-culturais sobre essa realidade cruel e
desumana.
Olhar a especificidade da
diferença é instigá-la e vê-la no plano da coletividade. Pensar numa escola
pública de qualidade é pensar na perspectiva de uma educação inclusiva. É
questionar o cotidiano escolar, compreender e respeitar o jeito de ser negro,
estudar a história do negro e assumir que a nossa sociedade é racista.
Construir um currículo multicultural é respeitar as diferenças raciais,
culturais ,étnicas, de gêneros e outros. Pensar num currículo multicultural é
opor-se ao etnocentrismo e preservar valores básicos de nossa sociedade.
Se a educação está
centrada na dominação cultural da elite
branca, o multiculturalismo - por ser uma estratégia de
orientação educacional para os problemas das diferenças culturais na
instituição escolar - reconhece a alteridade e o direito à diferença dos grupos
minoritários, como negros, índios, homossexuais, mulheres, deficientes físicos
e outros, que se sentem excluídos do processo social. Portanto, deve ser uma
teoria a ser propagada.
Segundo o Prof. Kabengele
Munanga, a identidade é para os indivíduos a fonte de sentidos e de
experiência. Toda identidade exige reconhecimento, caso contrário ela poderá
sofrer prejuízos se for vista de modo limitado ou depreciativo.
A realidade que
enfrentamos hoje é perversa. Olhamos
crianças miseráveis perambulando pelas ruas das grandes cidades, vemos pela TV e jornais o
sofrimento de crianças afegãs, meninas sendo prostituídas no Brasil e na Ásia e
em outros países, massacres que transformam a segurança dos poderosos em
insegurança para todos nós. Ninguém
exige respostas para tantas desgraças, mas de todos nós exigem um
comprometimento pessoal por uma humanidade mais justa e solidária. Curiosamente sempre estamos procurando um
culpado por todos esses problemas. Além disso,
podemos observar no nosso cotidiano flagrantes e atitudes
preconceituosas nos atos, gestos e falas. E, como não poderia ser
diferente, acontece o mesmo no ambiente
escolar.
Nessa proposta
multicultural, a escola poderá elaborar um currículo que permita problematizar a realidade. Mesmo não sendo o
único espaço de integração social, a
escola poderá possibilitar a consciência da necessidade dessa integração, desde
que todos tenham a oportunidade de acesso
a ela e possibilidade de nela permanecer.
A educação escolar ainda é um espaço privilegiado para crianças,
jovens e adultos das camadas populares
terem acesso ao conhecimento científico e artístico do saber sistematizado e
elaborado, do qual a população pobre e
negra é excluída por viver num meio
social desfavorecido.
A escola é o espaço onde
se encontra a maior diversidade cultural e também é o local mais discriminador.
Tanto é assim que existem escolas para ricos e pobres, de boa e má qualidade,
respectivamente. Por isso trabalhar as
diferenças é um desafio para o professor, por ele ser o mediador do
conhecimento, ou melhor, um facilitador do processo ensino- aprendizagem. A
escola em que ele foi formado e na qual trabalha é reprodutora do conhecimento
da classe dominante, classe esta, que dita as regras e determina o que
deve ser transmitido aos alunos. Mas, se
o professor for detentor de um saber crítico, poderá questionar esses valores e
saberá extrair desse conhecimento o que ele tem de valor universal.
Na maioria dos casos, os
professores nem se dão conta de que o país é pluri étnico e que a escola é o
lugar ideal para discutir as diferentes
culturas, e suas contribuições na formação do nosso povo. Eles também ignoram que muitas vezes as
dificuldades do aluno advêm do processo
que está relacionado à sua cultura, tão desrespeitada ou até ignorada
pelos professores.
A nossa escola é baseada
numa visão eurocêntrica, contrariando o pluralismo étnico-cultural e racial da
sociedade brasileira. E os educadores e responsáveis pela formação de milhares de jovens na sua
grande maiorias são vítimas dessa
educação preconceituosa, na qual foram formados e socializados. Esses
educadores não receberam uma formação
adequada para lidar com as questões da diversidade e com os preconceitos
na sala de aula e no espaço escolar.
A pequena quantidade de
alunos negros nas escolas é resultado, na realidade, da desigualdade praticada
pela instituição escolar e pelo próprio
processo de seu desenvolvimento educacional. Também a prática seletiva da
escola silencia sobre as diferenças
raciais e sociais, provocando a exclusão
do aluno de origem negra pobre, dos portadores de necessidades especiais e de outros.
Trabalhar igualmente essas
diferenças não é uma tarefa fácil para o professor, porque para lidar com elas
é necessário compreender como a diversidade se manifesta e em que contexto.
Portanto, pensar uma educação escolar que integre as questões étnico-raciais
significa progredir na discussão a respeito das desigualdades sociais, das diferenças raciais e outros níveis e no
direito de ser diferente, ampliando, assim,
as propostas curriculares do país, buscando uma educação mais
democrática.
Embora saibamos que seja
impossível uma escola igual para todos, acreditamos que seja possível a construção
de uma escola que reconheça que os alunos são diferentes, que possuem uma
cultura diversa e que repense o currículo, a partir da realidade existente
dentro de uma lógica de igualdade e de direitos sociais. Assim, podemos deduzir que a exclusão escolar não está relacionada somente com o fator
econômico, ou seja, por ser um aluno de
origem pobre, mas também pela sua origem étnico-racial.
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Bibliografia:
GIROUX, Henry A . Cruzando as fronteiras do discurso
educacional: novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999
GONÇALVES, Luiz Alberto
Oliveira & SILVA, Petronilha B. Gonçalves e. O jogo das diferenças:
Multiculturalismos e seus contextos.
Belo Horizonte: Autêntica, 1998
MUNANGA, Kabengele. O
preconceito racial no sistema educativo brasileiro e seu impacto no processo de aprendizagem do
“alunado negro”. IN: Utopia e democracia na Escola Cidadã. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal de RGS, 2000.
PIERUCCI, Antônio Flavio.
Vivendo o preconceito em sala de aula IN: Diferenças e preconceitos na escola
alternativas teóricas e praticas. São Paulo: Summnus, 1998
Ciladas da diferença.
Tempo Social, 1990.
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