Escultura de um cemitério de São Paulo |
Uma Breve História dos
Cemitérios
Para que se possa entender
a história dos cemitérios, é necessário refletirmos a cerca da evolução da
concepção da morte que nortearam as práticas de enterramento desde os
primórdios da humanidade. É a partir de uma determinada crença sobre a morte
que justificará o destino que os vivos darão aos mortos. Só tendo como guia o
imaginário da morte que compreenderemos as várias formas de enterramento na
história humana.
Lewis Mumford nos
coloca algo interessante acerca da origem dos cemitérios, expondo que “a cidade
dos mortos antecede a cidade dos vivos”, uma vez que: “Em meio às andanças
inquietas do homem paleolítico, os mortos foram os primeiros a ter uma morada
permanente: uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras, um túmulo
coletivo”. O que podemos tirar disso é que, desde os primórdios da humanidade,
a preocupação com o “lugar do morto” já se mostrava presente.
No período Neolítico, os
cadáveres eram colocados em cavernas naturais onde a entrada era fechada por
uma rocha. “Eis a primeiras sepulturas dos povos neolithicos as quais não
tardam a sofrer numerosas variantes, segundo o grau de civilização de cada
grupo ou tribo, segundo os climas e a constituição geológica do terreno
ocupado”. Mas as cavernas não davam conta dos mortos, então passaram a
construir sepulturas artificiais.
Embora as cavernas
representem as primeiras formas de sepulturas, elas não serão as formas predominantes
de enterramento no período Neolítico. Havia o chamado dolmens, que em betão
significa mesa de pedra, círculo de pedra ou pedra erguida. Embora tivesse
havido dolmens em tamanhos colossais – 12 ou 15 metros de diâmetro – geralmente
o dolmens era : [...] formado por quatro
lousas toscas collocadas n’uma cova e cobertas por uma quinta apenas apparente
á superfície do solo.Tem a fórma d’uma pyramide troncada medindo
approximadamente um metro em largura e profundidade, de modo que o cadaver só
pode alli ser recolhido assentado e dobrado sobre si mesmo.
Percebemos, então, que os
primeiros seres humanos já demonstravam um certo respeito pelos seus mortos,
reservando-os um lugar adequado para eles. Seja pelo mal da putrefação do
cadáver, ou pela inexplicável razão para desaparecimento repentino da força
motora do corpo, o morto foi ganhando o seu espaço e dedicação no mundo dos
vivos. Muitos povos, mesmo não compreendendo o motivo para a perda da atividade
motora, sabiam que se tratava de um novo estágio do corpo. Então alimentavam a
crença de que, nesse outro estágio, os mortos continuavam a ter as mesmas
necessidades das que tinham em vida. Por isso os mortos eram enterrados usando
os objetos que mais gostavam, além de ainda serem postos alimentos sobre suas
sepulturas .
A falta de explicação para
o fenômeno da morte é o que levará muitas sociedades, principalmente os
egípcios na antiguidade clássica, a crerem na vida após a morte. Daí os cuidado
para que o corpo não se desintegrasse – os processos de mumificação – se tornaram
uma peculiaridade dos egípcios. Já os faraós, alem de serem mumificados, eram
postos em templos gigantescos – as pirâmides – simbolizando a importância que
eles representavam para a sociedade e seu poder central.
Na antiguidade
Greco-romana, os mortos eram os primeiros que “recepcionavam” os viajantes: “a
primeira coisa que saudava o viajante que se aproximava de uma cidade grega ou
romana era a fila de sepulturas e lápides que ladeavam as suas estradas”.
Com os gregos e os romanos irão surgir muitos dos costumes que perdurarão até
hoje, como transcrever inscrições nas lápides tumulares, pôr flores sobre os
túmulos, além de alimentos. Foram a partir desses costumes que a memória do
morto passou a ser preservada e cultuada, assumindo diversas feições ao longo
dos tempos.
A prática dos romanos em
enterrar seus mortos em beiras de estradas mudará conforme o avanço do
cristianismo na sociedade. Só então que “[...] surgiu a tendência de aglomerar
os defuntos nas proximidades dos lugares sagrados, como tumbas de santos e
igrejas, na perspectiva do Juízo Final e da ressurreição dos corpos” . Como
o enterro estava – e ainda está – relacionado à crença na ressurreição do
corpo, qualquer outro destino para o morto – como a cremação, por exemplo – era
repudiado pela doutrina cristã, sob alegação de que outras práticas anulavam a
imagem que se tem do sono a espera do despertar.
Segundo Araújo , os
cemitérios similares aos que vemos hoje só surgem em plena Idade Média, quando
os mortos passam a lotar as dependências da igreja e o seu redor. A igreja será
quem primará em preservar os túmulos, o que fará com que o cemitério se
construa em seu redor, conforme cita Schmitt: “(...) o cemitério é cercado por
um muro, sobre o qual o bispo, quando de suas visitas paroquiais, lembra
constantemente a necessidade de conservá‐lo
para separar o espaço
sagrado do espaço
profano e impedir os animais de vagar entre as sepulturas” .
Túmulo de Simone de
Beauvoir e Sartre no Cemitário de Montparnasse, onde pessoas de todo o mundo
deixam presentes, flores e bilhetes para o casal.
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No período medieval, o
cemitério representará muito mais que uma necrópole, ou seja, uma cidade
restrita aos mortos. Segundo Fargette-Vissière , os cemitérios medievais
eram espaços bastante procurados e, porque não, cobiçados pelas pessoas da
época. Neles eram desenvolvidas muitas atividades sociais:
De dia ou de noite, era
neles que a população das maiores cidades europeias buscava se divertir, quando
não fixar residência provisória ou definitiva. Além disso, as necrópoles eram
também um espaço de cidadania, pois lá sempre estavam juízes a comunicar
sentenças, e o equivalente aos prefeitos de hoje a dar publicidades a suas
ações. Esses locais funcionavam ainda como cartórios a céu aberto. Não que as
condições ajudassem, pois já havia acúmulo de corpos e problemas de higiene e
limpeza. Mas, de fato, os cemitérios atraíam. Eram um componente da urbanidade
de então, construída através dos séculos e com origens bastantes remotos.
Vimos que os cemitérios
medievais eram muito animados, mas não para por aí. Alguns construíam até
tabernas em suas dependências, pois esses locais representavam autênticos
lugares de sociabilidade; um verdadeiro ponto de encontro para quem procurava
diversão. “Os cemitérios nesta época eram completamente integrados à
comunidade, localizando-se no centro da mesma, servindo depois do sepultamento
como pasto para o gado, local de feiras, jogos, atalhos para outras áreas e
depósitos de lixo” .
Os cemitérios também eram muito procurados pelos casais, visto ser um lugar tranquilo para o namoro, e pelas pessoas que buscavam um relacionamento: os jovens “[...] cortejavam as moças à sombra dos ossários e dançavam entre os túmulos a farândola, uma dança medieval muito popular, em que vários participantes fazem uma roda, que evolui para outras formações”.
Os cemitérios também eram muito procurados pelos casais, visto ser um lugar tranquilo para o namoro, e pelas pessoas que buscavam um relacionamento: os jovens “[...] cortejavam as moças à sombra dos ossários e dançavam entre os túmulos a farândola, uma dança medieval muito popular, em que vários participantes fazem uma roda, que evolui para outras formações”.
Mesmo a Igreja Católica
tendo proibido muitas das práticas sociais antes desenvolvidas dentro dos
cemitérios, estes ainda continuaram sendo um local de intensa agitação até o
século XIX, quando os cuidados com a higiene transportará os cemitérios para
longe das cidades.
Aqui no Brasil, até a
primeira década do século XIX, os mortos eram enterrados apenas trajando um
manto cobrindo o corpo, posto que os cuidados com a higiene não havia se tornado
praxe no Brasil imperial. Nos cemitérios de pretos, nas principais cidades
brasileiras, os escravos eram lançados em covas muito rasas e, depois de um
tempo, os corpos ficavam expostos ao ar livre, sendo que as pessoas nem se
preocupavam com isso. As pessoas conviviam pacificamente com os odores exalados
pelos mortos.
Quando a preocupação com a
higiene passou a ser tema central no império brasileiro, a partir da segunda
metade do século XIX, visto que já era uma realidade na Europa, os governos
passaram a aderir a esse novo padrão, reorganizando o espaço e a relação dos
mortos com os vivos. Segundo Reis, “uma organização civilizada do espaço urbano
requeria que a morte fosse higienizada, sobretudo, que os mortos fossem
expulsos de entre os vivos e segregados em cemitérios extra-muros.” .
Nessa perspectiva, os
cemitérios vão agora se afastar das cidades, estabelecendo-se a divisão entre
as cidades dos vivos e dos mortos. “Hoje, em algumas cidades, a zona urbana
cresceu tanto que de novo aproximou os mortos dos vivos” , como é o caso do
cemitério São João Batista de Guarabira-PB, assim como o cemitério de mesmo nome,
no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
Percebe-se, no entanto,
que os cemitérios se afastaram das cidades, mas não das igrejas, sendo que cada
novo cemitério construído terá sua capela situada no centro da necrópole, onde
são feitas missas e orações aos mortos. Esse padrão será o que prevalecerá
ainda nos dias atuais, mesmo surgindo outras tipos de cemitérios e práticas de
enterramento.
Referências:
ARAÚJO, Thiago Nicolau de.
Túmulos celebrativos do Rio Grande do Sul: múltiplos olhares sobre o espaço
cemiterial (1889 – 1930). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
BAYARD, Jean-Pierre.
Sentido Oculto dos Ritos Funerários: morrer é morrer? São Paulo: Paulus, 1996.
CRUZ, Manoel Pereira da.
Cemitérios. Dissertação (Mestrado em Medicina). Porto: Escola Médico-cirúgica,
1882.
FARGETTE-VISSIÈRE,
Séverine. Os animados cemitérios medievais. História Viva. 67 ed, p. 48-52,
maio, 2009.
FARIA, Sheila de Castro.
Viver e morrer no Brasil colônia. São Paulo: Moderna, 1999.
MUMFORD, Lewis. A cidade
na história: suas origens, transformações e perspectivas. Trad.: Neil R. da
Silva. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
REIS, João José. A morte é
uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991.
ROSA, Edna Terezinha da. A
relações das áreas de cemitérios com o crescimento urbano. Dissertação
(Mestrado em Geografia). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
2003.
SCHMITT, Jean Claude. Os
vivos e os mortos na sociedade medieval. Trad.: Maria Lucia Machado. São Paulo:
Cia das Letras, 1999.
[1] Graduado em História
pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
[2] MUMFORD, Lewis. A
cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Trad.: Neil R.
da Silva. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.13.
[3] CRUZ, Manoel Pereira
da. Cemitérios. Dissertação (Mestrado em Medicina). Porto: Escola
Médico-cirúgica, 1882, p.10.
[4] Idem, p.13.
[5] ARAÚJO, Thiago Nicolau
de. Túmulos celebrativos do Rio Grande do Sul: múltiplos olhares sobre o espaço
cemiterial (1889 – 1930). Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2008, p.30.
[6] MUNFORD, Op. Cit., p.13.
[7] BAYARD, Jean-Pierre. Sentido
Oculto dos Ritos Funerários: morrer é morrer? São Paulo: Paulus, 1996, 133.
[8] FARGETTE-VISSIÈRE,
Séverine. Os animados cemitérios medievais. História Viva. 67 ed, p. 48-52,
maio, 2009, p.49.
[9] ROSA, Edna Terezinha
da. A relações das áreas de cemitérios com o crescimento urbano. Dissertação
(Mestrado em Geografia). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
2003, p.16
[10] ARAÚJO, Op. Cit., p.36.
[11] SCHMITT, Jean& Claude. Os
vivos e os mortos na sociedade medieval. Trad.: Maria Lucia Machado. São Paulo:
Cia das Letras, 1999, p.204.
[12] FARGETTE-VISSIÈRE, Op. Cit., p.49.
[13] ROSA, Op. Cit., p.17.
[14] FARGETTE-VISSIÈRE, Op. Cit.,
p.51.
[15] FARIA, Sheila de
Castro. Viver e morrer no Brasil colônia. São Paulo: Moderna, 1999, p.56.
[16] REIS, João José. A
morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.247.
[17] FARIA, Sheila de
Castro. Viver e morrer no Brasil colônia. São Paulo: Moderna, 1999, p.57.
Fonte das imagens: Google Imagens
Texto: Paulo Hipólito
Texto: Paulo Hipólito
Oi Olá Parabéns pelo post
ResponderExcluirmuito profundo e esclarecedor,
caso queira publicar algum trabalho seu
com relação à história e cemitérios
segue nosso site: http://cemiterio.net
Abraços!
João
Perfeito!
ResponderExcluirResolvi levar meus alunos ao cemitério para estudar Historia e seu texto será a base da aula de campo.
Obrigada pela ajuda.
Muito bom o seu texto, professora Isabel. Parabéns! 👏👏👏
ResponderExcluirObrigada, Profº Antônio Marques!
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