MORTOS DA SECA DE 1932
O objetivo dos campos
era evitar que os retirantes da seca de 1915, alcançassem Fortaleza, trazendo
"o caos, a miséria, a moléstia e a sujeira", como informavam os
boletins do poder público na época. Naquele ano, criou-se o campo de concentração
- era assim mesmo que se chamava - no bairro alagadiço, que chegou a juntar 8
mil pessoas, que recebiam alguma comida e permaneciam vigiados por soldados do
exército. A segregação dos miseráveis era a lei, mas chegou um momento em que o
flagelo ema massa era tão chocante, com uma média de 150 mortes diárias, que o
governo do Estado ordenou, em dezembro de 1915, como contam os arquivos dos
jornais da época, a dispersão dos flagelados ou "mulambudos", como
eram também conhecidos.
O medo das autoridades
diante dos flagelados da seca tinha um antecedente. Em 1877, uma leva de cerca
de 110 mil famintos saiu dos sertões e tomou as ruas de Fortaleza, assombrando
os moradores.
Os registros mais
confiáveis sobre os "currais do governo", como os confinamentos eram
denominados pelos flagelados, são encontrados no livro "Campos de
concentração no Ceará" (Edição Outras Histórias - Museu do Ceará, 2000,
120 páginas), de Kênia Rios. Segundo a autora, não existem referências de que a
experiência tenha sido repetida em outros estados.
"Do ponto de vista
oficial, os campos aparecem como medida de assistência aos flagelados que não
tinham trabalho nas frentes de serviço", diz a autora. Mas a realidade,
segundo ela, era outra. "Os famintos eram atraídos com a promessa de
comida, assistência médica e segurança. Lá não encontravam a estrutura
prometida e não podiam sair do campo, sendo mantidos presos. Tudo para evitar
que Fortaleza fosse invadida por famintos", comenta Rios.
A capital foi a única
cidade a receber dois "currais", um no Otávio Bonfim e outro no
Pirambu, este conhecido como Campo do Urubu. O maior campo do Estado estava
instalado em Buriti, distrito do Crato. "Pelos registros oficiais,
passaram por lá 65 mil pessoas em 1932", informa. Ela diz que alguns
campos, projetados para receber duas mil pessoas, chegavam a manter até 18 mil
flagelados de uma só vez. A fome e a insalubridade dos campos levaram,
inevitavelmente, a milhares de mortes. "Os livros de óbitos das igrejas
mostram que 90% das mortes registradas naquele período aconteciam nos campos de
concentração."
No "curral"
de Ipu, segundo Rios, a média era de sete a oito mortes por dia. Depois de
1932, a experiência dos campos foi abandonada no Ceará. "Houve muita
polêmica em torno desta experiência. Também tinha o estigma dos campos de
concentração nazistas. Por isso, nos anos 40, 50 e 60, o governo adotou outra
prática, criando abrigos que foram batizados de albergues, onde os flagelados
tinham mais apoio e liberdade. Há registros de sete currais no estado do Ceará,
localizados em Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Crato, Quixadá, Ipú e dois
em Fortaleza, nos bairros Pirambú e Otávio Bomfim.
No livro "A
fome", o mais consistente relato sobre o cenário de 1877 nas ruas da
capital, o cientista social e escritor Rodolfo Teófilo assim descreveu o que
viu: "A peste e a fome matam mais de 400 por dia! O que te afirmo é que,
durante o tempo em que estive parado em uma esquina, vi passar 20 cadáveres: e
como seguem para a vala! Faz horror! Os que têm rede, vão nela, suja, rota,
como se acha; os que não a têm, são amarrados de pés e mãos em um comprido pau
e assim são levados para a sepultura. E as crianças que morrem nos
abarracamentos, como são conduzidas! Pela manhã os encarregados de sepultá-las
vão recolhendo-as em um grande saco; e, ensacados os cadáveres, é atado aquele
sudário de grossa estopa a um pau e conduzido para a sepultura".
que horror!
ResponderExcluirtriste demais!
Assim como hoje, no passado a seca sempre foi uma verdadeira calamidade publica!! lamentável realmente, assim como é lamentável a aparente inercia dos governos estaduais e federal, no passado e hoje.
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