Postagem atualizada em 26/07/2021
Para que lucros floresçam,
produtos precisam quebrar mais rápido, tornar-se ultrapassados ou indesejados.
Preço é eterna angústia dos consumidores e devastação da natureza.
“É comum um telefone
celular ir ao lixo com menos de oito meses de uso ou uma impressora nova durar
apenas um ano. Em 2005, mais de 100 milhões de telefones celulares foram descartados
nos Estados Unidos.
Uma CPU de computador, que nos anos 1990 durava até sete
anos, hoje dura dois anos. Telefones celulares, computadores, aparelhos de
televisão, câmeras fotográficas caem em desuso e são descartados com uma
velocidade assustadora. Bem-vindo ao mundo da obsolescência planejada!
Na sociedade de consumo,
as estratégias publicitárias e a obsolescência planejada mantêm os consumidores
presos em uma espécie de armadilha silenciosa, num modelo de crescimento
econômico pautado na aceleração do ciclo de acumulação do capital
(produção-consumo-mais produção). Mészáros (1989, p.88) diz que vivemos na
sociedade descartável que se baseia na “taxa de uso decrescente dos bens e
serviços produzidos”, ou seja, o capitalismo não quer a produção de bens
duráveis e reutilizáveis.
A publicidade é o instrumento central na sociedade de
consumo e um grande motivador de nossas escolhas, pois é por meio dela que
geralmente nos são apresentados os produtos de que passamos a sentir
necessidade.
A função da publicidade é persuadir visando a um consumo dirigido.
Para aquecer as vendas, trabalha arduamente para convencer o consumidor da
necessidade de produtos supérfluos. É o que Bauman (2008) chama de “economia do
engano”. Para Latouche (2009, p.18), “a publicidade nos faz desejar o que não
temos e desprezar aquilo que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e
a tensão do desejo frustrado”.
Para mover esta sociedade
de consumo precisamos consumir o tempo todo e desejar novos produtos para
substituir os que já temos – seja por falha, por acharmos que surgiu outro
exemplar mais desenvolvido tecnologicamente ou simplesmente porque saíram de
moda.
Serge Latouche, no documentário A história secreta da obsolescência
planejada, diz que nossa necessidade de consumir é alimentada a todo momento
por um trio infalível: publicidade, crédito e obsolescência.
Planejar quando um produto
vai falhar ou se tornar velho, programando seu fim antes mesmo da ação da
natureza e do tempo de uso é a obsolescência planejada. Trata-se da estratégia
de estabelecer uma data de morte de um produto, seja por meio de mau
funcionamento ou envelhecimento perante as tecnologias mais recentes.
Essa
estratégia foi discutida como solução para a crise de 1929. O conceito teve
início por volta de 1920, quando fabricantes começaram a reduzir de propósito a
vida de seus produtos para aumentar venda e lucro. A primeira vítima foi a
lâmpada elétrica, com a criação do primeiro cartel mundial (Phoebus) para
controlar a produção.
Seus membros perceberam que lâmpadas que duravam muito
não eram vantajosas. A primeira lâmpada inventada tinha durabilidade de 1.500
horas. Em 1924, as lâmpadas duravam 2.500 horas.
Em 1940, o cartel atingiu seu
objetivo: a vida-padrão das lâmpadas era de 1.000 horas. Para que esse objetivo
fosse atingido, foi preciso fabricar uma lâmpada mais frágil.
Em 1928, o lema era:
“Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios”. Como solução para a
crise, Bernard London propôs, num panfleto de 1932, que fosse obrigatória a
obsolescência planejada, aparecendo assim pela primeira vez o termo por
escrito.
London pregava que os produtos deveriam ter uma data para expirar,
acreditando que, com a obsolescência planejada, as fábricas continuariam
produzindo, as pessoas consumindo e, portanto, haveria trabalho para todos, que
trabalhando poderiam consumir e assim fazer o ciclo de acumulação de capital se
manter. Nos anos 1930, a durabilidade começou a ser propagada como antiquada e
não correspondente às necessidades da época.
Nos anos 1950, a obsolescência
planejada ressurgiu com o enfoque de criar um consumidor insatisfeito, fazendo
assim que ele sempre desejasse algo novo. Ainda no pós-guerra assentaram-se as
bases da sociedade de consumo atual, por meio do estilo de vida norte-americano
(American way of life), baseado na liberdade, na felicidade e na ideia de
abundância em substituição à ideia do suficiente.
OS TIPOS DE OBSOLESCÊNCIAS PROGRAMADAS
Podemos considerar três
tipos de obsolescência: obsolescência de função, de qualidade e de
desejabilidade. “Pode haver obsolescência de função. Nessa situação, um produto
existente torna-se antiquado quando é introduzido um produto que executa melhor
a função. Obsolescência de qualidade.
Nesse caso, quando planejado, um produto
quebra-se ou se gasta em determinado tempo, geralmente não muito longo.
Obsolescência de desejabilidade.
Nessa situação, um produto que ainda está
sólido, em termos de qualidade ou performance, torna-se gasto em nossa mente
porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz que fique menos
desejável” (Packard, 1965, p.51).
Slade (2006) chama a
“obsolescência de função” de “obsolescência tecnológica”, que é o tipo de
obsolescência mais antiga e permanente desde a Revolução Industrial até hoje,
em razão da inovação tecnológica.
Assim, a obsolescência tecnológica, ou de
função, sempre esteve atrelada a determinada concepção de progresso visto como
sinônimo de avanços tecnológicos infinitos. Os telefones celulares e os
notebooks são o melhor exemplo disso.
A “obsolescência de qualidade” é quando a
empresa vende um produto com probabilidade de vida bem mais curta, sabendo que
poderia estar oferecendo ao consumidor um produto com vida útil mais longa. Na
década de 1930, faziam-se constantes apelos aos consumidores para trocarem suas
mercadorias por novas em nome de se tornarem bons e verdadeiros cidadãos
norte-americanos.
O último e mais complexo tipo de obsolescência é o da desejabilidade,
ou “obsolescência psicológica”, que é quando se adotam mecanismos para mudar o
estilo dos produtos como maneira de manipular os consumidores para irem
repetidamente às compras.
Trata-se, na verdade, de gastar o produto na mente
das pessoas. Nesse sentido, os consumidores são levados a associar o novo com o
melhor e o velho com o pior.
O estilo e a aparência das coisas tornam-se
importantes como iscas ao consumidor, que passa a desejar o novo. É o design
que dá a ilusão de mudança por meio da criação de um estilo.
Essa obsolescência
pode ser também conhecida como “obsolescência percebida”, que faz o consumidor
se sentir desconfortável ao utilizar um produto que se tornou ultrapassado por
causa do novo estilo dos novos modelos.
A lógica da sociedade capitalista
precisa criar ou renovar estratégias que favoreçam a acumulação do capital (por
meio não só da expropriação da mais-valia na produção, mas também pelo lucro
obtido na venda dos produtos).
Mészáros (1989) nos mostra que a taxa de uso
decrescente no capitalismo é um mecanismo inevitável da produção destrutiva do
capital. O autor considera esse fenômeno intrínseco ao modo de produção
capitalista, o qual precisa estimular a sociedade descartável para perdurar
enquanto sistema econômico hegemônico.
Ele diz: “É, pois, extremamente
problemático o fato de que [...] a ‘sociedade descartável’ encontre o
equilíbrio entre produção e consumo necessário para a sua contínua reprodução,
somente se ela puder artificialmente consumirem grande velocidade (isto é, descartar
prematuramente) grandes quantidades de mercadorias, que anteriormente
pertenciam à categoria de bens relativamente duráveis.
Desse modo, ela se
mantém como sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados
‘bens de consumo duráveis’, de tal sorte que estes necessariamente tenham que
ser lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ‘cemitérios de automóveis’ como
ferro-velho etc.) muito antes de esgotada sua vida útil” (Mészáros, 1989,
p.16).
A sociedade do consumo
visa atender às necessidades de acumulação do capital mais do que às
necessidades básicas de seus membros. Se a satisfação de todos fosse realmente
a finalidade do sistema produtivo, os bens seriam reutilizáveis.
Mas, como o
capitalismo “tende a impor à humanidade o mais perverso tipo de existência
imediata” (Mészáros, 1989, p.20), toda a sociedade fica submetida à lógica de
acumulação do capital segundo a qual a não aceleração do ciclo produção-consumo
se torna um obstáculo.
Assim, a obsolescência planejada passa a ser uma estratégia
fundamental para satisfazer as exigências expansionistas do modo de produção
capitalista. “[...] quanto menos uma dada mercadoria é realmente usada e
reusada (em vez de rapidamente consumida, o que é perfeitamente aceitável para
o sistema), [...] melhor é do ponto de vista do capital: com isso, tal
subutilização produz a vendabilidade de outra peça de mercadoria” (Mészáros,
1989, p.24).
TUDO VAI ACABAR VIRANDO LIXO
A obsolescência planejada
é uma tecnologia a serviço do capital. Para aumentar a acumulação de riquezas
privadas, o capital devasta, destrói, esgota a natureza.
O aumento da riqueza
do capital é proporcional ao aumento da destruição da natureza. Na sociedade da
obsolescência induzida, tudo acaba em lixo. Quanto mais rápida e passageira for
a vida dos produtos, maior será o descarte.
A publicidade é o motor que faz
toda essa dinâmica funcionar. Esse modelo de sociedade baseada na estratégia da
obsolescência planejada está sendo determinante no esgotamento dos recursos
naturais (que ocorre na etapa da produção) e no excesso de resíduos (que ocorre
na etapa do consumo e do descarte).
Magera (2012) salienta que a humanidade,
que existe no planeta há milhares de anos, conseguiu alcançar a maioria de
todos os avanços tecnológicos e informacionais apenas nos últimos duzentos
anos. Mas essa sociedade do consumo, que, em nome do progresso, aumenta o
volume e a velocidade das coisas produzidas industrialmente, eleva também o
volume de lixo.
Ao mesmo tempo, os consumidores não são estimulados a se conscientizar
sobre a geração de resíduos. O lixo é algo do qual as pessoas querem se
desfazer o mais rápido possível e, de preferência, que seja levado para bem
longe.
Leonard (2011) apresenta
inúmeros dados relacionados à extração de recursos naturais e à produção e
geração de resíduos no final do ciclo. Alguns exemplos: para produzir uma
tonelada de papel, são usadas 98 toneladas de vários outros materiais; 50 mil
espécies de árvores são extintas todos os anos; os norte-americanos possuem
cerca de 200 milhões de computadores, 200 milhões de televisores e 200 milhões
de celulares; nos Estados Unidos são consumidos cerca de 100 bilhões de
latinhas de alumínio anualmente.
A autora mostra que todo o nosso sistema
produtivo-consumista, potencializado pelas estratégias de obsolescência, produz
uma destruição assustadora dos recursos naturais ao mesmo tempo que aumenta
consideravelmente a geração de lixo. Com a taxa decrescente do valor de uso dos
produtos, tudo o que o sistema consegue é aumentar a acumulação do capital
enquanto aumenta a destruição do planeta.
Produção de tecnologias
verdes ou programas de reciclagem não resolvem essa gama de problemas. É
urgente rever o modelo de crescimento econômico que se sustenta nos pilares da
obsolescência planejada.
DECRESCIMENTO ECONÔMICO
Podemos afirmar que a
espinha dorsal desta sociedade de consumo atual é a aceleração do ciclo
produção-consumo-mais produção-mais consumo, gerando descarte e resíduos. O
consumo é visto como o motor responsável pelo crescimento econômico – entendido
como algo sempre bom e necessário – com base em um paradigma
produtivista-consumista.
A publicidade continua uma aliada fundamental para
manter acesa a chama do consumo e da taxa decrescente do valor de uso das
mercadorias, fazendo dos consumidores vítimas de uma armadilha invisível.
Rever os princípios que
norteiam esse modelo de crescimento econômico é necessário. Inspiramo-nos no
movimento recente do decrescimento econômico, que tem o economista francês
Serge Latouche como um dos principais expoentes.
O PIB não pode mais continuar
sendo visto como uma taxa que deve sempre crescer. Não é razoável pensar num
crescimento infinito quando o planeta é finito. O movimento pelo decrescimento
econômico parece-nos uma saída para muitos dos problemas que apontamos aqui.
Não se trata de voltar ao tempo das cavernas, mas sim de parar imediatamente
com esse modelo de crescimento, de progresso e de felicidade ancorado na
sociedade de consumo.
O crescimento pelo crescimento é irracional. Precisamos
descolonizar nossos pensamentos construídos com base nessa irracionalidade para
abrirmos a mente e sairmos do torpor que nos impede de agir. Latouche diz: “A
palavra de ordem decrescimento tem como principal meta enfatizar fortemente o
abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro
senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências
desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade” (2009, p.4).
A
nova lógica que deverá ser construída é a de que podemos ser felizes
trabalhando e consumindo menos. Nesse projeto, não faz sentido falar em
desenvolvimento sustentável – mais um slogan da moda que os capitalistas
inventaram. Falar em ecoeficiência é continuar na “diplomacia verbal”.
O assunto não se esgota
aqui, obviamente, mas é fundamental desvelar o princípio da obsolescência
planejada para que possamos renovar nossas utopias de um mundo onde a natureza
seja preservada, onde haja mais presença e menos presente, mais laços humanos e
menos bens de consumo.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Z. Vida para
consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
HAUG, W. F. Crítica da
estética da mercadoria. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
LATOUCHE, S. Pequeno
tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LEONARD, A. A história das
coisas. Da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2011.
MAGERA, M. Os caminhos do
lixo. Campinas (SP): Átomo, 2012.
MÉSZÁROS, I. Produção
destrutiva e o estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
PACKARD, V. Estratégia do
desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965.
SLADE, G. Made to break:
technology and obsolescence in America [Feito para quebrar: tecnologia e
obsolescência nos Estados Unidos]. Harvard University Press, 2006
Fonte: Outras Palavras
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