DISCUSSÕES SOBRE A
ALTERNÂNCIA VOCÊ E O SENHOR, A SENHORA
Fábio Della Paschoa
Rodrigues
Os primeiros textos
portugueses, segundo Marilina dos Santos Luz [1] , “recebem o termo senhor como
o significado de ‘pessoa que tem autoridade e direitos sobre alguém ou alguma
coisa’”, ainda na Idade Média. Temos inúmeros exemplos desse uso ao longo das
histórias portuguesa e brasileira, como senhor das terras (senhor feudal),
senhor de escravos, senhor de engenho. Historicamente também, o termo se
aplicou aos reis, que, depois de Deus, era aquele a quem melhor se adaptava o
nome de senhor. Nesse sentido, ao aproximar o pronome de tratamento ao termo
bíblico Senhor, estabelecia-se uma origem divina do rei. Ao referir-se a um
rei, os súditos não se esqueciam que ele era Rey e Senhor. Durante um certo
período este foi o tratamento mais apreciado pelos reis e considerado mais
conveniente pelas pessoas que dele se aproximavam. O termo também era usado
para os representantes das mais elevadas classes sociais, substituindo, por
vezes, outros títulos de nobreza; era freqüente os condes serem tratados singelamente
por senhor. Posteriormente, senhor adquire a possibilidade de ser usado como
prenome, com uma nova função, designando ainda autoridade, mas também respeito.
O termo vossa mercê (que
deu origem ao atual você) era também título dado ao rei, mas, assim como vossa
senhoria e vossa excelência, acabou vulgarizando-se. Essa vulgarização se deu
porque era permitido o uso do termo para dirigir-se a outras pessoas de alto
estado ou a um filho do rei, a alguns fidalgos ou condes. No século XVI o
tratamento era considerado ainda muito
respeitoso, embora mais generalizado, sendo usado por servos ao referirem-se
aos seus amos e aos amigos destes. Vossa mercê não era tratamento normal entre
amigos fidalgos. O termo acabou sendo usado como um mero tratamento de
cortesia.
Mudando radicalmente de
época, nos anos 80 e, principalmente, nos anos 90 deste século, o pronome de
tratamento senhor(a) adquire novos usos, restringe-se a outras situações, bem
distintas das já vistas. Atualmente, seu uso é muito mais regido pela idade e
pela distância social que pela autoridade, mas conserva ainda arraigado alguns
valores que remontam à época dos reis e senhores como submissão e respeito (aos “superiores”).
Notamos que, hoje em dia,
o uso de você é extremamente disseminado. Deixou o campo familiar e íntimo para
ser usado entre iguais, de superior para inferior e de inferior para superior,
dependendo da ocasião. Tal uso pode ser uma forma de ser cortês ou amável, de
tentar uma proximidade ou um galanteio. O termo senhor, muitas vezes, é
considerado pejorativo, indicando, supostamente, ou que a pessoa com quem
falamos é bem mais velha (o que não é educado, segundo a “etiqueta”) ou uma
frieza, uma distância entre as pessoas. Senhor é empregado quando se quer
deixar claro que não há intimidade, em situações formais da sociedade de
consumo capitalista (relações “cliente-fornecedor”) ou quando se quer marcar a
distância entre os falantes, não importando se de inferior para superior ou
vice-versa. Isto quer dizer que a “autoridade”, o “respeito” e a “cortesia” que
eram inerentes ao termo já não estão tão presentes, sendo associado mais
comumente à distância de idade, grupo, hierarquia, classe social.
Ironicamente, um pronome
originariamente usado para referir-se a reis, aproximando-os do Senhor – portanto, muito nobre –, hoje é considerado
ultrapassado, pejorativo, em certa medida até desrespeitoso. O valor bíblico
associado ao termo ainda é muito presente e muitas pessoas, quando tratadas por
senhor ou senhora, respondem de imediato: “O Senhor (A Senhora) está no Céu”.
Tendo por base os dados da
folha de prova e uma pequena pesquisa informal com professores e mães de alunos de um colégio particular de
classe média da cidade de Salto/SP, interessantes fatos são constatados e
algumas hipóteses podem ser formuladas.
Já seus filhos os tratam
por você ou pelo nome, tratamentos também usados para os professores. As mães e
os professores relataram que, “na época deles”, os professores e as professoras
eram chamados pelos seus nomes precedidos de “seu” e “dona”, variações de
senhor e senhora quando usados como prenome. Essas mudanças no tratamento dos
filhos pode ser explicada pelo fato de que os próprios pais consideram o
senhor/a senhora como pejorativo e educam seu filhos para que não usem esse
pronome, preferindo o nome da pessoa ou
você.
Nos manuais de Língua
Portuguesa atuais, os termos você e senhor são assim referidos:
1) Você – “origina-se de
Vossa Mercê, passou ainda por estas formas: Vossemecê, Vosmecê e Vossancê,
cujas variantes populares são Mecê, Vancê e Vassuncê. Uso: pessoas que gozam de
nossa intimidade.
Senhor – Uso: pessoas que
nos merecem respeito ou de quem exigimos respeito. [2]
2) Você: forma de intimidade; usado como tratamento en tre iguais
ou de superior para inferior (em idade, classe social, hierarquia);atualmente, há alargamento do seu
uso: é possível ser usado de inferior para superior.
Senhor(a):
forma de respeito ou cortesia;
usado de inferior para superior;
opõe-se a você;
forma de marcar as distâncias, de evitar
intimidades, quando o tratamento é dado de um superior para um inferior (como
no exemplo 7 da folha de prova). [3]
3) Você. Contração de
Vossa Mercê; geralmente empregada ou como tratamento íntimo entre iguais ou
como tratamento de superior para inferior; vossemecê.
Senhor. Possuidor de
feudo, Estado, lugar; senhorio; dono; indivíduo distinto; título nobiliárquico;
tratamento de cerimônia; amo; Deus; dono de engenho de açúcar (...) [4]
Percebemos que a definição
dicionarizada de senhor faz referências a alguns aspectos históricos que já
apontamos, bem como à sua acepção bíblica. Nas gramáticas, os pronomes de
tratamento são apenas prognosticados: usa-se aqui, aqui não se usa. O
tratamento dado por esses manuais é muito superficial, com definições genéricas
e sem fazer referência ao riquíssimo contexto histórico e social do uso de tais
pronomes ou, então trata-se superficialmente das variantes dos termos, talvez
porque esse seja um tópico considerado acessório na gramática.
[1]
LUZ, Marilina dos Santos. Fórmulas de Tratamento no Português Arcaico –
Subsídios para o seu estudo. Coimbra: Casa do Castelo Editora, 1958.
[2]
SACCONI, Luiz Antonio. Nossa Gramática – Teoria e Prática. São Paulo:
Atual, 1994.
[3]
CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. Belo Horizonte:
Editora Bernardo Alvares S.A., 1971.
[4]
BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1984.
Bem, eu nunca fui fã do lance de chamar ninguém de 'o(a) senhor(a)'... alguns dos motivos são os que você mesma mencionou: alguém pode dizer que não é tão velho(a) ou realmente velho(a) ou que 'o Senhor' é Deus e 'a Senhora' é Virgem Maria! Também porque, em alguns casos, quem é formal, se torna informal com o tempo ou vice-versa! Ter que ficar escolhendo quem será 'formal' e quem será 'informal'... para que isso? Para mim, é todo mundo 'você' e ponto final!
ResponderExcluirP.S.: Nos países e territórios hispânicos, eles utilizam 'usted' (que é cognato de 'você') de forma idêntica à que usamos 'o senhor' ou 'a senhora'... logo, muito embora 'usted' seja cognato de 'você', a tradução do primeiro ao português é 'o(a) senhor(a)', sendo que eles mesmos levam bem mais a sério o lance dos tratamentos formal e informal do que nós no fim das contas... e eu também sempre achei que desrespeito é comprometer/constranger/depreciar/expor alguém, o que ainda valerá em meu caso por todas as eternidades possíveis e impossíveis!