"O céu, transparente
que doía, vibrava tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda
parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia
cinzenta da paisagem, apenas um juazeiro ainda escapa à devastação da rama”.
A
escritora Rachel de Queiroz imortalizou a seca de 1915, mas as palavras da cearense
também serviram de retrato de outras grandes secas ao longo desses 100 anos.
Os períodos de estiagem
com grave carestia (fome generalizada) que fazem parte do clima do Nordeste
brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do
Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos
nas áreas de engenharia, social e política, tentando assim amenizar as consequências
das secas tanto para as populações diretamente afetadas (os flagelados), bem como
as classes políticas locais.
Um exemplo na área social
foram as ações durante a seca de 1877–1879. Nesta, o governo do império
incentivou a migração de uma grande parte da população do Ceará para a Amazônia
e outras regiões. Com esta campanha, os migrantes cearenses agilizaram o primeiro
Ciclo da Borracha.
Essa campanha se repete na
seca de 1943, desta vez coordenada e centralizada por uma instância federal, o
Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia — SEMTA, com o
apoio financeiro dos Acordos de Washington, e assim agilizou o segundo ciclo da
Borracha.
Como exemplo de ações na
área de engenharia temos a iniciativa de D. Pedro II, que depois da seca de
1877 envia uma equipe de engenheiros para a região nordestina para estudar as
possibilidades de projetos de engenharia com a intenção de amenizar as consequências
das secas. Os resultados desses estudos, realizados por engenheiros brasileiros
e ingleses, indicaram a construção de barragens ou açudes. Um bom exemplo disto
é o projeto da construção do Açude do Cedro, uma obra que foi iniciada pelo
primeiro governo republicano de Deodoro da Fonseca e finalizada na gestão de
Afonso Pena.
A criação do Instituto de
Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a
Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo Peçanha é uma das respostas governamentais ao
fenômeno da seca.
Os campos de concentração
no Ceará ou os "currais do governo", foram reações governamentais
executadas nas secas de 1915 e 1932 no estado do Ceará.
A
seca de O Quinze
A seca de 1915 foi o
cenário para obras escritas como o livro O Quinze, de Raquel de Queiroz, bem
com para a implantação do primeiro campo de concentração no Ceará, no Alagadiço,
ao oeste de Fortaleza.
No Alagadiço, estima-se um
ajuntamento de 8 mil pessoas, cuidadas com alguma comida e sob a vigília de
soldados.
A razão para o uso desta
estratégia foi os temores de invasões e saques dos flagelados da seca em
Fortaleza — isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos
invadiram a capital cearense, aterrorizando a população urbana.
Esse campo foi desfeito e
as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro do mesmo ano.
Durante essa seca, muitos
cearenses também migraram para a Amazônia.
A
seca de 1932
Dona Camélia, cujo pai trabalhava em um dos campos de concentração |
Na seca de 1932 o nordeste
brasileiro sofria com as consequências da estiagem, mas também vivia um momento
histórico próprio dentro da era de Getúlio Vargas; Lampião e seu bando
centralizavam as atenções dos políticos; as oligarquias políticas do Nordeste
mudavam de nomes: Padre Cícero ainda tinha influência política e milagrosa para
os sertanejos e a irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto atraia
centenas de flagelados para os arredores de Crato, no Ceará.
Com o temor da intensa
invasão de flagelados para Fortaleza — e para outras grandes cidades do Ceará —
a estratégia dos Currais do Governo mais uma vez foi implantada, só que desta
vez não somente em Fortaleza, mas também em cidades com alguma estrutura básica
e com estações de trens. Além dos campos de concentração na capital da Terra da
Luz, um no já conhecido Alagadiço e um outro no noroeste da capital, no Pirambu
(ou Campo do Urubu como ficou conhecido), foram instalados outros em Crato, em
Cariús, Ipu, Quixadá, Quixeramobim e Senador Pompeu.
Ruínas do campo de concentração de retirantes de Senador Pompeu |
Os sertanejos ali alojados
recebiam algum cuidado e comida, e podiam trabalhar nas frentes de obras,
sempre sob a vigilância de soldados.
Estima-se que cerca de 73
000 flagelados foram confinados nesses campos onde as condições eram desumanas,
o que resultou em inúmeras mortes. Ainda durante essa seca, flagelados
cearenses foram enviados para o combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em
São Paulo.
Saiba mais
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/11/1554774-viagem-pela-memoria-de-campos-de-concentracao-no-ceara.shtml
http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/03/cearenses-relembram-campos-de-concentracao-de-retirantes-da-seca.html
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