Há quem diga que a escola
é o espaço mais conservador da sociedade. Talvez haja verdade nisso se
lembrarmos de alguns vícios muito disseminados entre os professores que
insistem manter determinadas práticas ultrapassadas.
A lista abaixo foi pensada
para os professores de História, mas pode valer para outras disciplinas.
1 – Querer dar conta de todo ou quase todo conteúdo

“Eu diria que ensinar História é uma atividade submetida a duas
transformações permanentes: a do objeto em si e da ação pedagógica. O objeto em
si (o “fazer histórico”) é transformado pelas mudanças sociais, pelas novas
descobertas arqueológicas, pelo debate metodológico, pelo surgimento de novas
documentações e por muitos outros motivos. A ação pedagógica muda porque mudam
seus agentes: mudamos professores, mudam os alunos, mudam as convenções de
administração escolar e mudam os anseios dos pais.” (Karnal, 2003).
Infelizmente isso não vale para os professores submetidos ao sistema de ensino
apostilado. Estes, reféns de um cronograma e conteúdo pré-determinados, não tem
saída: ou seguem o ritmo das apostilas ou estão fora da sala de aula.
2 – Limitar a História a
modos de produção e de opressão
O materialismo histórico dialético causou uma
reviravolta na ciência da História direcionando o olhar dos historiadores para
questões econômicas e sociais. A perspectiva marxista da história demoliu os
três pilares que sustentavam a história tradicional de corrente positivista: a
noção de político/política desvinculada da totalidade do processo histórico; o
caráter voluntarista de uma história baseada em alguns poucos agentes
históricos individuais, e o discurso histórico-narrativo, cronológico e linear.
Segundo a corrente marxista, o desenvolvimento histórico ocorre a partir de um
processo conflituoso, impulsionado pela luta de classes num cenário marcado
pela contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações
sociais de produção. Por essa ótica, o marxismo promoveu a classe trabalhadora,
marginalizada do processo histórico, à categoria de sujeito dando-lhes
visibilidade na historiografia. Uma vasta bibliografia teórica e/ou
referenciada no materialismo histórico foi produzida investigando as lutas
sociais no Brasil e tendo por eixo o conceito marxista de modo de produção. Até
a década de 1960, chegou a predominar entre os marxistas brasileiros a visão de
que teriam existido, em nossa história, todos os modos de produção conhecidos
na história europeia: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo e capitalismo
– tese hoje negada. Hoje, se há consenso entre os marxistas no Brasil sobre a
importância do conceito de modo de produção, tudo o mais é polêmico: há
múltiplas visões sobre quais modos de produção existiram na história brasileira
e até mesmo o significado da expressão “modo de produção”. O debate é intenso
na academia e alimentado por pesquisas e vasta bibliografia. Transposto para o
ensino básico, limitado a 1 ou 2 aulas de história por semana e com alunos sem
conhecimentos teóricos e históricos mínimos, é grande a possibilidade desse
debate reduzir-se a um discurso reducionista, e não a um aprendizado
transformador como pretende os historiadores marxistas. Sem aprofundamento
teórico, a luta de classes e o modo de produção – conceitos essenciais do
materialismo histórico – correm o risco de serem entendidos pelo aluno do
ensino básico sob uma ótica mecanicista e maniqueísta que reduz a história à
eterna luta entre oprimidos/excluídos/explorados X poderosos/
exploradores/senhores, em que os primeiros representam o “bem” e estes o “mal”.
Deixa-se de lado a complexidade social, a interferência de outras forças, os
jogos de poder intraclasses, os valores e mentalidade da época que caracterizam
e diferenciam os processos históricos. A renovação ocorrida na ciência da Historia
a partir dos anos 1980, ampliou e diversificou os objetos e abordagens da
pesquisa histórica. A produção historiográfica marxista também se renovou
articulando, por exemplo, o conceito de classe social ao de cultura. Estas
novas concepções de história abriram um rico leque de possibilidades ao
professor de História para apresentar ao aluno uma visão mais abrangente das
conquistas e dos talentos humanos servindo de ponte entre o patrimônio cultural
da humanidade e a cultura do educando.
Seja a música de Beethoven, o cinema de Charles Chaplin, a literatura de
Lima Barreto, os mitos gregos, as cariátides do Partenon, o charleston dos anos
1920 ou as práticas e saberes populares – são elementos que formaram a base de
nossa cultura e não devem ser desprezados. Para muitos alunos, a aula de
História é o único espaço para conhecer esse patrimônio material e imaterial.
3 – Fazer da aula de história uma tribuna ideológica ou um comitê
partidário
Isso foi comum nos anos 1960 e 1970 nas
universidades e nas escolas secundárias. Acreditava-se, então, que as
convicções políticas bastavam e eram fundamentais para direcionar o ensino de
qualquer disciplina. Hoje, apesar dessa postura estar superada, ela ainda seduz
muitos professores que usam seu trabalho como instrumento de propaganda
ideológica ou de pregação religiosa. Afirmações baseadas apenas em filiações
ideológicas são desprezíveis e covardes pois são dirigidas a uma plateia que
não tem conhecimento suficiente para refutar ou moderar o discurso do
professor. Nessa situação desigual, corre-se o risco da aula de história se
tornar um perigoso veículo de distorções políticas, preconceito, racismo e
segregação. Cuidar para não transformar o tablado de sala de aula em palanque
eleitoral não significa desvestir a História de seu caráter político. O ensino
de História tem um papel educativo, formativo, cultural e, também, político uma
vez que ele se propõe a formar cidadãos críticos, inseridos nas interações
sociais de seu tempo, participantes dos processos políticos e capazes de
formular opiniões sobre as questões de sua realidade social. O ensino é, em si,
um ato político e não há neutralidade possível. Contudo, é um ato de mão dupla
em que interagem alunos e professor. Cabe ao professor uma postura de
(re)conhecer o outro, considerar seu contexto familiar, suas relações sociais,
seus valores e visão de mundo se pretende fundamentar seu ensino no respeito à
pluralidade cultural.
4- Falar demais e querer explicar tudo

5 – Falar em “historiês” durante as aulas

6 – Apostar nos recursos audiovisuais como imprescindíveis no ensino

história. Importante é usar a projeção como ferramenta de aprendizagem
e não como substituto da explicação do professor.
7 – Fazer crítica pela crítica, sem base e sem conhecimento
Refletir e criticar um texto é fundamental no ensino de história, mas para isso, é preciso de conteúdo, conhecimento, tanto dos alunos quanto do professor. No ensino Fundamental, isso é prematuro demais dado o pouco conhecimento histórico adquirido. Nessa fase, o aluno está (ou deveria estar) concentrado em ler e compreender o texto. No Ensino Médio, talvez, em alguns casos, o professor pode incentivar uma leitura crítica. Mas, o entendimento do texto sempre precede à sua interpretação. A respeito desse vício, refletem Pinsky e Pinsky :
“Antes de entender um texto, uma questão, uma
conjuntura, professores e alunos já lançam a crítica! Ela está na ponta da
língua, ou seja, precede a compreensão da complexidade do fenômeno histórico.
“Tal autor? Está superado”, dizem alunos e professores que nunca se deram ao
luxo de lê-los, mas se permitem julgamentos definitivos com base em algo ouvido
em um corredor ou lido às pressas em uma página de uma revista semanal de
informações. Defendemos, pois a “volta” do conteúdo às salas de aula, da
seriedade.” (Pinsky e Pinsky, 2003).
O resultado desse vício está na arrogância
daqueles que se arvoram em intelectuais, jovens vazios de conteúdo, mas plenos
de “achismos”, no uso distorcido e confuso de conceitos – sintomas que se
escancararam nas recentes manifestações populares contra e a favor do governo
Dilma Rousseff.
8 – Ter mania da
desconstrução
Boa parte das pesquisas acadêmicas ocupam-se
em desconstruir teorias, discursos e relações de poder. A abordagem é
fascinante e trouxe um importante avanço na historiografia: compreender as
motivações de discursos ou de grupos sociais, analisar os jogos de poder que
influenciaram versões de fatos históricos, desvendar as intenções de um
personagem histórico e suas opções políticas e outras desconstruções que
demandam anos de pesquisa documental e muita reflexão do historiador. Na aula
de história, o desconstrutivismo é arriscado mesmo que o professor tenha um
profundo conhecimento e domínio das versões. O aluno que está começando a
construir seu conhecimento é, de repente, colocado frente a um projeto
demolidor da História, muitas vezes anunciado de forma exibicionista: “O quadro
O grito do Ipiranga é uma mentira!”. “A instauração da República foi uma
fraude!” Desconstruir por descontruir (muitas vezes, para atender a vaidade
intelectual do professor) provoca no aluno um sentimento de pessimismo,
descrença e ceticismo extremo que o fazem questionar: “Se não foi assim, para
quê estudar História se, no final, é tudo mentira?” Novamente, Pinsky e Pinsky apresentam uma
lúcida análise a respeito:
“Só a desconstrução não basta (além do vazio
provocado, deixa um gostinho de insatisfação e niilismo no ar – no limite,
supervaloriza o relativismo e tira o poder de ação das mãos dos sujeitos
históricos); é preciso que alunos tenham acesso a algum conteúdo histórico e
que entendam sua contextualização.” (Pinsky e Pinsky, 2003).
Ensinar
História é coisa séria. É preciso sensibilidade
para conhecer o aluno, suas expectativas e necessidades. Respeitar seu ritmo de
aprendizagem, deixá-lo falar e ouvir o que ele não diz. Entender que cada idade
tem anseios diferentes e uma psicologia particular que interferem no
aprendizado. Uma aula de história de sucesso no 6º ano não terá o mesmo
resultado no 9º ano ou no Ensino Médio, e vice-versa. Leva tempo para ensinar e
aprender História de forma significativa e rica de conteúdo. Mas é possível e
vale a pena.
Fonte
- KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.
- PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro. Op. Cit.
- BEZERRA, Conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. Op. Cit.
- BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
- SILVA, Marco. História, que ensino é este? Campinas, SP: Papirus, 2013.
fonte:http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/8-vicios-do-professor-e-do-ensino-de-historia/
- Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues
Muito bom!!! Parabéns!
ResponderExcluirSou prof. de português, mas gostei dos vícios.. Todos os professores têm seus vícios! Beijocas
ResponderExcluirMuito interessante esse tema. Embora nós professores as vezes não admitimos, sim, temos esses e muitos outros vícios que não percebemos! Esse tema abordado "8 VÍCIOS DO PROFESSOR E DO ENSINO DE HISTÓRIA" nos ajuda a refletir sobre nossas práticas pedagógica!
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