quinta-feira, 23 de junho de 2016

Religiosidade: as religiões de matriz africana e a escola

As religiões de matriz africana foram incorporadas a cultura brasileira desde há muito, quando os/as primeiros/as escravizados/as desembarcaram no país e encontraram em sua religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África.



E assim como tudo que fazia parte deste universo, tais religiões – apesar de sua influência e importância na construção da cultura nacional – também foram perseguidas e, em determinados momentos históricos, até proibidas. Atualmente, os ataques mais expressivos às religiões de matriz africana vêm das chamadas religiões ‘neopentecostais’, que comumente as rotulam de ‘culto aos demônios’, ‘crendices’ e ‘feitiçarias’.


Toda essa ignorância com relação a essas culturas gera um ambiente propício para intolerância, proporcionando sofrimento aos praticantes e a todos/as aqueles/as que fazem parte da população negra, que tem os seu direito de pertença e identidade racial muitas vezes negado em função do racismo.

Macumba é este instrumento musical instrumento musical de percussão, espécie de reco- reco de origem africana que da um som de rapa. E o macumbeiro é o tocador desse instrumento.


A ministra religiosa e Iyalorisá, Carmen Prisco, defende que para combater o racismo e a intolerância religiosa o governo brasileiro precisa reconhecer a contribuição dos africanos na construção da alma brasileira e tombar o candomblé como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade.

O Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade é uma distinção criada em 1997 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura para a proteção e o reconhecimento do patrimônio cultural imaterial, abrangendo as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras.

“O candomblé representa o espaço onde a cultura dos escravizados que vieram para o Brasil está guardada, está sendo preservada e transmitida. Se as leis municipais continuarem fechando terreiros, não reconhecendo o lugar do sagrado que o nosso culto possui, em 50 anos não teremos mais candomblé e as pessoas não vão nem saber da história dos escravizados no Brasil”, destaca Carmen.

Para ela é função dos/as educadores/as levar estes conhecimentos para a sala de aula e contribuir para perpetuação dos valores civilizatórios de tradição africana. Ela inicia esse resgate histórico distiguindo a origem e história dos ancestrais africanos que vieram na diáspora.



Os Bantus eram o grupo mais numeroso, dividiam-se em angola-congoleses e moçambiques. Sua origem estava ligada ao que hoje representa Angola, Zaire e Moçambique, os principais destinos deste grupo eram Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. Eles foram os primeiros a chegarem no Brasil e a fundarem com os indígenas o candomblé de caboclo, primeira manifestação religiosa com origem africana do país.

Já os Iorubas ou Nagôs-Sudaneses eram formados  por: iorubas, jejes e fanti-ashantis, trazidos do sudoeste do continente africano, do que hoje é representado pela Nigéria, Daomei e Costa do Ouro, seu destino geralmente era a Bahia. Entre eles tinham os mulçumanos, que de acordo com Carmen, eram os não-escravizados e também muitos guerreiros, que em sua maioria foram para os engenhos de cana-de-açúcar. No final da Diáspora, aqui chegaram os Fon, cuja maior expressão histórica, política e social se expressou no Benin, através do Reino do Dahomey.


Carmen chama a atenção para como, mesmo falando línguas diferentes e cultuando seus próprios deuses, esses povos reinventaram suas origens, uniram-se e pela fusão de suas culturas construíram a nossa religiosidade e conhecimento. Ela destaca algumas manifestações que tiveram origem nesta ‘colagem’:

Batuque sediado no Rio Grande do Sul, se estendeu para países vizinhos como Uruguai e Argentina. É fruto de religiões dos povos da Costa da Guiné e da Nigéria, como as nações Jeje, Ijexá, Oyó, Cabinda e Nagô.

Candomblé Do Calundu colonial da Bahia surgem os primeiros terreiros de candomblé e com eles a organização politico-social-religiosa. Neste ponto, as irmandades não podem ser esquecidas. Elas têm como origem a mistura proveniente da cultura dos escravizados com o catolicismo. A mais antiga é a Irmandade da Boa Morte, que no terreiro da Casa Branca fundou os alicerces para que as demais casas de candomblé pudessem ser criadas e posteriormente, se espalharem pelo Brasil.

Cabula – é o nome pelo qual foi chamada, na Bahia, uma seita surgida no final do século XIX, com caráter secreto e fundo religioso. Além do cunho hermético, a seita mantinha forte influência da cultura afro-brasileira, sobretudo dos malês, bantos com sincretismo provocado pela difusão da Doutrina Espírita nos últimos anos do século XIX. A Cabula é classificada como candomblé de caboclo, considerada como precursora da Umbanda, persiste ainda como forma de culto nos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Culto aos Egungun – é uma das mais importantes instituições, tem por finalidade preservar e assegurar a continuidade do processo civilizatório africano no Brasil, é o culto aos ancestrais masculinos, originário de Oyo, capital do império Nagô, que foi implantado no Brasil no início do século XIX. O culto principal aos Egungun é praticado na Ilha de Itaparica no Estado da Bahia, mas existem casas em outros Estados.

Catimbó - Concebe-se como Catimbó-Jurema, ou simplesmente Jurema, a religião que se utiliza de sessões de Catimbó na veneração da Jurema sagrada e dos Orixás. O Catimbó-Jurema é um culto híbrido, nascido dos contatos ocorridos entre as espiritualidades indígena, européia e africana, contatos esses que se deram em solo brasileiro, a partir do século XVI, com o advento da colonização.

Umbanda – é uma religião brasileira que sincretiza vários elementos, inclusive de outras religiões como o catolicismo, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras e a religiosidade indígena. A palavra umbanda deriva de m’banda, que em quimbundo (idioma banto) significa “sacerdote” ou “curandeiro”.

Quimbanda – é uma ramificação da umbanda desde a sua fundação pelo médium brasileiro Zélio Fernandino de Morais, já que o mesmo admitiu ter um exu como guia por ordens de seus guias. Assim como qualquer religião, dentro da quimbanda, existem várias linhas de desenvolvimento, mas o princípio de trabalhar respeitando as leis da Umbanda é fundamental, uma vez que estas entidades são comandadas pelas entidades da Umbanda, que é sua matriz.

Xambá - A Nação Xambá é uma religião afro-brasileira ativa em Olinda, Pernambuco. Alguns autores afirmam que este culto está praticamente extinto no país.

Omolocô – é um culto presente no Rio de Janeiro, mas veio pela Bahia e também é encontrado no Rio Grande do Sul,  é caracterizado por suas práticas rituais e de culto aos Orixás, Caboclos,  Pretos-velhos e demais Falangeiros de Orixás da Umbanda. O culto Omolocô é apontado por estudiosos do assunto e praticantes como um dos principais influenciadores da formação da Umbanda africanizada, ao lado do Candomblé de Caboclo, do Cabula e do próprio Candomblé. Teria surgido entre o povo africano Lunda-Quiôco.



A ministra também destaca que a religiosidade africana para os/as escravizados/as não se separava das demais dimensões da vida e que foi esta característica que potencializou o poder de influência desta cultura em tantos setores da sociedade brasileira ainda em seu início. Ela recorda leis com o a do Diretório de 1759, que tornou obrigatório o uso da língua portuguesa como idioma oficial em todo o território nacional, proibindo o tupinambá e a proliferação dos dialetos e línguas africanas que já dominavam o falar dos colonos.

“É impressionante que muitas das palavras ‘banto’ já substituíam os mesmos termos em português. E representavam mais que vocábulos diferentes, eram novas maneiras de ser e agir. Um exemplo é a palavra cochilar usado em substituição a dormitar. Dormitar, palavra portuguesa, significava dormir sentado, em pé, de qualquer jeito. Cochilar já não, era a prática dos negros de deitar e dormir um pouco após o almoço”, observa.

Outro detalhe curioso compartilhado por Carmen foi o uso de vogais e consoantes, bem como do plural praticados pelos/as negros/as. “As pessoas têm mania de querer dizer que é errado o jeito de falar do negro, do matuto, mas se olharmos para origem percebemos que o que falta é conhecimento da língua. No caso do plural, do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, na língua iorubá, a sua composição se dá pela flexão, somente, dos artigos que  precedem os substantivos. Enquanto na língua portuguesa, se constrói flexionando também os substantivos. Assim, enquanto em português, a construção do plural de “a casa” fica “as casas”. Em ioruba flexiona-se apenas o artigo e fica ‘as casa’. No caso dos encontros consonantais, eles não existem em iorubá e então, são desfeitos com a inserção de uma vogal. A palavra salvar, que em função do desdobramento das consoantes L V é acrescido a vogal A, precedida de R, resulta na palavra SARAVA. Algo muito parecido acontece com a palavra flor. As letras F e L vão receber a vogal U entre si o que resulta na palavra FULÔ. Neste caso a pronúncia do R não é utilizada porque também não se aplica nos idiomas iorubá e banto”, explica.

Palavras de origem africana


A apropriação dos termos africanos acabou se transformando em prática cotidiana no universo da culinária brasileira, que adotou o modo de preparar, bem como os ingredientes usados pelas negras.

A população escravizada já havia introduzido na cozinha portuguesa o leite de coco-da-Bahía, o azeite de dendê, confirmou a preferência da pimenta malagueta sobre a do reino, deu ao Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer vatapá, caruru, mungunzá, acarajé, angu e pamonha. Ela também modificou os pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma coisa com os pratos da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira, que por meio dos/as escravizados/as de ganho foi responsável pela sobrevivência de muitos senhores de engenho que faliram com a decadência da cana-de-açúcar no mercado europeu.

Para conhecer outras influências provenientes da cultura das religiões africanas, recomendamos que acessem a apostila criada por Carmen Prisco e conheçam outros cenários como da música, das vestimentas e da organização social estabelecida na religiosidade. 






História da África livros da UNESCO. 

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Fonte: Ação Educativa 
Texto: Mãe Carmem Prisco



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