As religiões de matriz
africana foram incorporadas a cultura brasileira desde há muito, quando os/as
primeiros/as escravizados/as desembarcaram no país e encontraram em sua
religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e
valores trazidos da África.
E assim como tudo que
fazia parte deste universo, tais religiões – apesar de sua influência e
importância na construção da cultura nacional – também foram perseguidas e, em
determinados momentos históricos, até proibidas. Atualmente, os ataques mais
expressivos às religiões de matriz africana vêm das chamadas religiões
‘neopentecostais’, que comumente as rotulam de ‘culto aos demônios’,
‘crendices’ e ‘feitiçarias’.
Toda essa ignorância com
relação a essas culturas gera um ambiente propício para intolerância,
proporcionando sofrimento aos praticantes e a todos/as aqueles/as que fazem
parte da população negra, que tem os seu direito de pertença e identidade
racial muitas vezes negado em função do racismo.
Macumba é este instrumento musical instrumento musical de percussão, espécie de reco- reco de origem africana que da um som de rapa. E o macumbeiro é o tocador desse instrumento. |
A ministra religiosa e
Iyalorisá, Carmen Prisco, defende que para combater o racismo e a intolerância
religiosa o governo brasileiro precisa reconhecer a contribuição dos africanos
na construção da alma brasileira e tombar o candomblé como Patrimônio Cultural
Intangível da Humanidade.
O Patrimônio Oral e
Imaterial da Humanidade é uma distinção criada em 1997 pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura para a proteção e o
reconhecimento do patrimônio cultural imaterial, abrangendo as expressões
culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua
ancestralidade, para as gerações futuras.
“O candomblé representa o
espaço onde a cultura dos escravizados que vieram para o Brasil está guardada,
está sendo preservada e transmitida. Se as leis municipais continuarem fechando
terreiros, não reconhecendo o lugar do sagrado que o nosso culto possui, em 50
anos não teremos mais candomblé e as pessoas não vão nem saber da história dos
escravizados no Brasil”, destaca Carmen.
Para ela é função dos/as
educadores/as levar estes conhecimentos para a sala de aula e contribuir para
perpetuação dos valores civilizatórios de tradição africana. Ela inicia esse
resgate histórico distiguindo a origem e história dos ancestrais africanos que
vieram na diáspora.
Os Bantus eram o grupo
mais numeroso, dividiam-se em angola-congoleses e moçambiques. Sua origem
estava ligada ao que hoje representa Angola, Zaire e Moçambique, os principais
destinos deste grupo eram Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e
São Paulo. Eles foram os primeiros a chegarem no Brasil e a fundarem com os
indígenas o candomblé de caboclo, primeira manifestação religiosa com origem
africana do país.
Já os Iorubas ou
Nagôs-Sudaneses eram formados por:
iorubas, jejes e fanti-ashantis, trazidos do sudoeste do continente africano,
do que hoje é representado pela Nigéria, Daomei e Costa do Ouro, seu destino
geralmente era a Bahia. Entre eles tinham os mulçumanos, que de acordo com
Carmen, eram os não-escravizados e também muitos guerreiros, que em sua maioria
foram para os engenhos de cana-de-açúcar. No final da Diáspora, aqui chegaram
os Fon, cuja maior expressão histórica, política e social se expressou no
Benin, através do Reino do Dahomey.
Carmen chama a atenção
para como, mesmo falando línguas diferentes e cultuando seus próprios deuses,
esses povos reinventaram suas origens, uniram-se e pela fusão de suas culturas
construíram a nossa religiosidade e conhecimento. Ela destaca algumas
manifestações que tiveram origem nesta ‘colagem’:
Batuque – sediado no Rio Grande do Sul, se
estendeu para países
vizinhos como Uruguai e Argentina. É
fruto de religiões
dos povos da Costa da Guiné e
da Nigéria, como as nações Jeje, Ijexá, Oyó,
Cabinda e Nagô.
Candomblé – Do Calundu colonial da Bahia surgem
os primeiros terreiros de candomblé e
com eles a organização
politico-social-religiosa. Neste ponto, as irmandades não podem ser esquecidas. Elas têm como origem a mistura proveniente da
cultura dos escravizados com o catolicismo. A mais antiga é a Irmandade da Boa
Morte, que no terreiro da Casa Branca fundou os alicerces para que as demais
casas de candomblé pudessem ser criadas e posteriormente, se espalharem pelo Brasil.
Cabula – é o nome pelo
qual foi chamada, na Bahia, uma seita surgida no final do século XIX, com
caráter secreto e fundo religioso. Além do cunho hermético, a seita mantinha
forte influência da cultura afro-brasileira, sobretudo dos malês, bantos com
sincretismo provocado pela difusão da Doutrina Espírita nos últimos anos do
século XIX. A Cabula é classificada como candomblé de caboclo, considerada como
precursora da Umbanda, persiste ainda como forma de culto nos estados da Bahia,
Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Culto aos Egungun – é uma
das mais importantes instituições, tem por finalidade preservar e assegurar a
continuidade do processo civilizatório africano no Brasil, é o culto aos
ancestrais masculinos, originário de Oyo, capital do império Nagô, que foi
implantado no Brasil no início do século XIX. O culto principal aos Egungun é
praticado na Ilha de Itaparica no Estado da Bahia, mas existem casas em outros
Estados.
Catimbó -
Concebe-se como Catimbó-Jurema,
ou simplesmente Jurema, a religião que se utiliza de sessões de Catimbó na
veneração da Jurema sagrada e dos Orixás. O Catimbó-Jurema é um culto híbrido,
nascido dos contatos ocorridos entre as espiritualidades indígena, européia e
africana, contatos esses que se deram em solo brasileiro, a partir do século
XVI, com o advento da colonização.
Umbanda – é uma religião
brasileira que sincretiza vários elementos, inclusive de outras religiões como
o catolicismo, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras e a religiosidade
indígena. A palavra umbanda deriva de m’banda, que em quimbundo (idioma banto)
significa “sacerdote” ou “curandeiro”.
Quimbanda – é uma
ramificação da umbanda desde a sua fundação pelo médium brasileiro Zélio
Fernandino de Morais, já que o mesmo admitiu ter um exu como guia por ordens de
seus guias. Assim como qualquer religião, dentro da quimbanda, existem várias
linhas de desenvolvimento, mas o princípio de trabalhar respeitando as leis da
Umbanda é fundamental, uma vez que estas entidades são comandadas pelas
entidades da Umbanda, que é sua matriz.
Xambá -
A Nação Xambá é
uma religião
afro-brasileira ativa em Olinda, Pernambuco. Alguns autores afirmam que este
culto está
praticamente extinto no país.
Omolocô – é um culto
presente no Rio de Janeiro, mas veio pela Bahia e também é encontrado no Rio
Grande do Sul, é caracterizado por suas
práticas rituais e de culto aos Orixás, Caboclos, Pretos-velhos e demais Falangeiros de Orixás
da Umbanda. O culto Omolocô é apontado por estudiosos do assunto e praticantes
como um dos principais influenciadores da formação da Umbanda africanizada, ao
lado do Candomblé de Caboclo, do Cabula e do próprio Candomblé. Teria surgido
entre o povo africano Lunda-Quiôco.
A ministra também destaca
que a religiosidade africana para os/as escravizados/as não se separava das
demais dimensões da vida e que foi esta característica que potencializou o
poder de influência desta cultura em tantos setores da sociedade brasileira
ainda em seu início. Ela recorda leis com o a do Diretório de 1759, que tornou
obrigatório o uso da língua portuguesa como idioma oficial em todo o território
nacional, proibindo o tupinambá e a proliferação dos dialetos e línguas
africanas que já dominavam o falar dos colonos.
“É impressionante que
muitas das palavras ‘banto’ já substituíam os mesmos termos em português. E
representavam mais que vocábulos diferentes, eram novas maneiras de ser e agir.
Um exemplo é a palavra cochilar usado em substituição a dormitar. Dormitar,
palavra portuguesa, significava dormir sentado, em pé, de qualquer jeito.
Cochilar já não, era a prática dos negros de deitar e dormir um pouco após o
almoço”, observa.
Outro detalhe curioso
compartilhado por Carmen foi o uso de vogais e consoantes, bem como do plural
praticados pelos/as negros/as. “As pessoas têm mania de querer dizer que é
errado o jeito de falar do negro, do matuto, mas se olharmos para origem
percebemos que o que falta é conhecimento da língua. No caso do plural, do ponto
de vista da morfologia e da sintaxe, na língua iorubá, a sua composição se dá
pela flexão, somente, dos artigos que
precedem os substantivos. Enquanto na língua portuguesa, se constrói
flexionando também os substantivos. Assim, enquanto em português, a construção
do plural de “a casa” fica “as casas”. Em ioruba flexiona-se apenas o artigo e
fica ‘as casa’. No caso dos encontros consonantais, eles não existem em iorubá
e então, são desfeitos com a inserção de uma vogal. A palavra salvar, que em
função do desdobramento das consoantes L V é acrescido a vogal A, precedida de
R, resulta na palavra SARAVA. Algo muito parecido acontece com a palavra flor.
As letras F e L vão receber a vogal U entre si o que resulta na palavra FULÔ.
Neste caso a pronúncia do R não é utilizada porque também não se aplica nos
idiomas iorubá e banto”, explica.
Palavras de origem africana |
A apropriação dos termos
africanos acabou se transformando em prática cotidiana no universo da culinária
brasileira, que adotou o modo de preparar, bem como os ingredientes usados
pelas negras.
A população escravizada já
havia introduzido na cozinha portuguesa o leite de coco-da-Bahía, o azeite de
dendê, confirmou a preferência da pimenta malagueta sobre a do reino, deu ao
Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer vatapá, caruru, mungunzá,
acarajé, angu e pamonha. Ela também modificou os pratos portugueses,
substituindo ingredientes; fez a mesma coisa com os pratos da terra; e
finalmente criou a cozinha brasileira, que por meio dos/as escravizados/as de
ganho foi responsável pela sobrevivência de muitos senhores de engenho que
faliram com a decadência da cana-de-açúcar no mercado europeu.
Para conhecer outras
influências provenientes da cultura das religiões africanas, recomendamos que
acessem a apostila criada por Carmen Prisco e conheçam outros cenários como da
música, das vestimentas e da organização social estabelecida na religiosidade.
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Fonte: Ação Educativa
Texto: Mãe Carmem Prisco
Uma boa tarde
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