Burundi – Foto: Virginia Maria Yunes
Uma sociedade sustentada
pelos pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de ubuntu,
filosofia africana que trata da importância das alianças e do relacionamento
das pessoas, umas com as outras.
Na tentativa da tradução
para o português, ubuntu seria “humanidade para com os outros”. Uma pessoa com
ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos,
oprimidos.
De ubuntu, as pessoas devem saber que o mundo
não é uma ilha: “Eu sou porque nós somos”. Eu sou humano, e a natureza humana
implica compaixão, partilha, respeito, empatia. Não há uma origem exata da
palavra.
Estudiosos costumam se
referir a ubuntu como uma ética “antiga” que vem sendo usada “desde tempos
imemoriais”. Alguns pesquisadores especulam sobre o Egito Antigo (parte de um
complexo de civilizações, do qual também faziam parte as regiões ao sul do
Egito, atualmente no Sudão, Eritreia, Etiópia e Somália) como o local de origem
do ubuntu como uma ética, mas o próprio fundamento do ubuntu é geralmente
associado à África Subsaariana e às línguas bantu (grupo etnolinguístico
localizado principalmente na África Subsaariana).
No fundo, este fundamento
tradicional africano articula um respeito básico pelos outros. Ele pode ser
interpretado tanto como uma regra de conduta ou ética social. Ele descreve tanto
o ser humano como “ser-com-os-outros” e prescreve que “ser-com-os-outros” deve
ser tudo. Como tal, o ubuntu adiciona um sabor e momento distintamente
africanos a uma avaliação descolonizada.
Na esfera política, o
conceito é utilizado para enfatizar a necessidade da união e do consenso nas
tomadas de decisão, bem como na ética humanitária. Também existe o aspecto religioso, assentado na máxima zulu
(uma das 11 línguas oficiais da África do Sul) umuntu ngumuntu ngabantu (uma
pessoa é uma pessoa através de outras pessoas) que, aparentemente, parece não
ter conotação religiosa na sociedade ocidental, mas está ligada à
ancestralidade. A ideia de ubuntu inclui respeito pela religiosidade,
individualidade e particularidade dos outros.
A cultura tradicional
africana, ao que parece, tem uma capacidade quase infinita para a busca do
consenso e da reconciliação. Embora possa haver uma hierarquia de importância
entre os oradores, cada pessoa recebe uma chance igual de falar até que algum
tipo de acordo, consenso ou coesão do grupo seja atingido. Este objetivo
importante é expresso por palavras como Simunye (“nós somos um”, ou seja, “a
união faz a força”) e slogans como “uma lesão é uma lesão para todos”.
Após quase cinco décadas de segregação racial
apoiada pela legislação, o processo de construção da África do Sul no
pós-apartheid exigia igualdade universal, respeito pelos direitos humanos,
valores e diferenças. Desta forma, a ideia de ubuntu estava diretamente ligada
à história da luta contra o regime que excluía a cidadania e os direitos dos
negros.
Ubuntu é muito usado em
contextos sobre repressão e colonialismo. Na verdade, o filósofo político
Leonhard Praeg destacou que, por meio da pergunta “O que é Ubuntu”?, o tema
africano procura autenticidade cultural e, portanto, a liberdade de um passado
(e presente), representada pela opressão ocidental e pelo neocolonialismo.
O advento da democracia na
África do Sul, em 1994, pode ter servido como um catalisador nesse sentido. É
preciso reconhecer a diversidade de línguas, histórias, valores e costumes, os
quais constituem a sociedade sul-africana. Como exemplo,os sul-africanos
brancos tendem a chamar todas as práticas da medicina tradicional africana de
“bruxaria” e rotular todos esses praticantes como “curandeiros”. No entanto, de
acordo com a obra Ubuntu Management and Motivation, de Johann Broodryk, há, pelo menos, cinco tipos de médicos nas
sociedades tradicionais africanas, e os curandeiros estão sendo apontados como
algo ruim pelos próprios africanos. Por outro lado, a cooperação dos outros
curandeiros tradicionais é vital em iniciativas de cuidados de saúde primários,
como planejamento familiar e programas de imunização (Broodryk, 1997a: 15;
1997b: 63f).
No Ocidente, o
individualismo, muitas vezes, se traduz em uma competitividade impetuosa. Isso
está em contraste com a preferência africana para a cooperação, o trabalho em
grupo.
Existem aproximadamente 800.000 “stokvels” na
África do Sul, que são empresas comuns ou empreendimentos coletivos, tais como
clubes de poupança e sociedades funerárias. A economia stokvel poderia ser
descrita como o capitalismo com Siza (humanidade) ou uma forma socialista do
capitalismo. Fazer lucro é importante, mas nunca se envolve a exploração de
outros. Como tal, os stokvels são baseados no “sistema de família alargada”.
Desde 1990, a palavra vem sendo usada por
muitas personalidades sul-africanas como Nelson Mandela, Desmond Tutu, Walter
Sisulu (ativista sul-africano contra o apartheid) e Credo Mutwa (sangoma,
representante da medicina tradicional africana).
O conceito de ubuntu inspira
além das fronteiras africanas e indica uma forma de tratar o semelhante como o
melhor caminho para a humanidade.
Nelson Mandela |
“Um viajante em visita à África do Sul poderia
parar em uma aldeia sem ter que pedir comida ou água. Uma vez que ele para, as
pessoas dão-lhe comida. Esse é um aspecto do ubuntu, mas o ubuntu tem vários
aspectos. O ubuntu não significa que as pessoas não devem enriquecer. A
questão, portanto, é: Você vai fazer isso e permitir que a comunidade ao seu redor
possa melhorar?” (Nelson Mandela)
Desmond Tutu (Prêmio Nobel
da Paz de 1984) fala do fato de que minha humanidade está presa e está
indissoluvelmente ligada à sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ele fala sobre
a totalidade, sobre a compaixão. Uma pessoa com ubuntu é acolhedora,
hospitaleira, generosa, disposta a compartilhar. A qualidade do ubuntu dá às
pessoas a resiliência, permitindo-as sobreviver e emergir humanas, apesar de
todos os esforços para desumanizá-las.”
A proposta de família alargada, que
abraça toda a comunidade fortalecida a partir da ajuda mútua, sanando o
sofrimento alheio, traz consigo a ideia da superação de diferentes tipos de
discriminação, relacionados, por exemplo, à cor da pele, gênero, orientação
sexual e religião.
Deve ficar claro que ubuntu se opõe à discriminação
negativa, seja contra homossexuais, mulheres ou por motivos de raça.
Fonte: Por dentro da África
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