terça-feira, 2 de julho de 2019

UBUNTU: EU SOU PORQUE NÓS SOMOS


Burundi – Foto: Virginia Maria Yunes



Uma sociedade sustentada pelos pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de ubuntu, filosofia africana que trata da importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras.

Na tentativa da tradução para o português, ubuntu seria “humanidade para com os outros”. Uma pessoa com ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos.

 De ubuntu, as pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha: “Eu sou porque nós somos”. Eu sou humano, e a natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia. Não há uma origem exata da palavra.



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Estudiosos costumam se referir a ubuntu como uma ética “antiga” que vem sendo usada “desde tempos imemoriais”. Alguns pesquisadores especulam sobre o Egito Antigo (parte de um complexo de civilizações, do qual também faziam parte as regiões ao sul do Egito, atualmente no Sudão, Eritreia, Etiópia e Somália) como o local de origem do ubuntu como uma ética, mas o próprio fundamento do ubuntu é geralmente associado à África Subsaariana e às línguas bantu (grupo etnolinguístico localizado principalmente na África Subsaariana).

No fundo, este fundamento tradicional africano articula um respeito básico pelos outros. Ele pode ser interpretado tanto como uma regra de conduta ou ética social. Ele descreve tanto o ser humano como “ser-com-os-outros” e prescreve que “ser-com-os-outros” deve ser tudo. Como tal, o ubuntu adiciona um sabor e momento distintamente africanos a uma avaliação descolonizada.

Na esfera política, o conceito é utilizado para enfatizar a necessidade da união e do consenso nas tomadas de decisão, bem como na ética humanitária. Também existe o  aspecto religioso, assentado na máxima zulu (uma das 11 línguas oficiais da África do Sul) umuntu ngumuntu ngabantu (uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas) que, aparentemente, parece não ter conotação religiosa na sociedade ocidental, mas está ligada à ancestralidade. A ideia de ubuntu inclui respeito pela religiosidade, individualidade e particularidade dos outros.



A cultura tradicional africana, ao que parece, tem uma capacidade quase infinita para a busca do consenso e da reconciliação. Embora possa haver uma hierarquia de importância entre os oradores, cada pessoa recebe uma chance igual de falar até que algum tipo de acordo, consenso ou coesão do grupo seja atingido. Este objetivo importante é expresso por palavras como Simunye (“nós somos um”, ou seja, “a união faz a força”) e slogans como “uma lesão é uma lesão para todos”.

 Após quase cinco décadas de segregação racial apoiada pela legislação, o processo de construção da África do Sul no pós-apartheid exigia igualdade universal, respeito pelos direitos humanos, valores e diferenças. Desta forma, a ideia de ubuntu estava diretamente ligada à história da luta contra o regime que excluía a cidadania e os direitos dos negros.

Ubuntu é muito usado em contextos sobre repressão e colonialismo. Na verdade, o filósofo político Leonhard Praeg destacou que, por meio da pergunta “O que é Ubuntu”?, o tema africano procura autenticidade cultural e, portanto, a liberdade de um passado (e presente), representada pela opressão ocidental e pelo neocolonialismo.

O advento da democracia na África do Sul, em 1994, pode ter servido como um catalisador nesse sentido. É preciso reconhecer a diversidade de línguas, histórias, valores e costumes, os quais constituem a sociedade sul-africana. Como exemplo,os sul-africanos brancos tendem a chamar todas as práticas da medicina tradicional africana de “bruxaria” e rotular todos esses praticantes como “curandeiros”. No entanto, de acordo com a obra Ubuntu Management and Motivation, de Johann Broodryk,  há, pelo menos, cinco tipos de médicos nas sociedades tradicionais africanas, e os curandeiros estão sendo apontados como algo ruim pelos próprios africanos. Por outro lado, a cooperação dos outros curandeiros tradicionais é vital em iniciativas de cuidados de saúde primários, como planejamento familiar e programas de imunização (Broodryk, 1997a: 15; 1997b: 63f).

No Ocidente, o individualismo, muitas vezes, se traduz em uma competitividade impetuosa. Isso está em contraste com a preferência africana para a cooperação, o trabalho em grupo.

 Existem aproximadamente 800.000 “stokvels” na África do Sul, que são empresas comuns ou empreendimentos coletivos, tais como clubes de poupança e sociedades funerárias. A economia stokvel poderia ser descrita como o capitalismo com Siza (humanidade) ou uma forma socialista do capitalismo. Fazer lucro é importante, mas nunca se envolve a exploração de outros. Como tal, os stokvels são baseados no “sistema de família alargada”.

 Desde 1990, a palavra vem sendo usada por muitas personalidades sul-africanas como Nelson Mandela, Desmond Tutu, Walter Sisulu (ativista sul-africano contra o apartheid) e Credo Mutwa (sangoma, representante da medicina tradicional africana). 
O conceito de ubuntu inspira além das fronteiras africanas e indica uma forma de tratar o semelhante como o melhor caminho para a humanidade.

Arquivo de Nelson Mandela - Divulgação
Nelson Mandela
“Um viajante em visita à África do Sul poderia parar em uma aldeia sem ter que pedir comida ou água. Uma vez que ele para, as pessoas dão-lhe comida. Esse é um aspecto do ubuntu, mas o ubuntu tem vários aspectos. O ubuntu não significa que as pessoas não devem enriquecer. A questão, portanto, é: Você vai fazer isso e permitir que a comunidade ao seu redor possa melhorar?” (Nelson Mandela)



Desmond Tutu (Prêmio Nobel da Paz de 1984) fala do fato de que minha humanidade está presa e está indissoluvelmente ligada à sua. Eu sou humano, porque eu pertenço. Ele fala sobre a totalidade, sobre a compaixão. Uma pessoa com ubuntu é acolhedora, hospitaleira, generosa, disposta a compartilhar. A qualidade do ubuntu dá às pessoas a resiliência, permitindo-as sobreviver e emergir humanas, apesar de todos os esforços para desumanizá-las.” 

A proposta de família alargada, que abraça toda a comunidade fortalecida a partir da ajuda mútua, sanando o sofrimento alheio, traz consigo a ideia da superação de diferentes tipos de discriminação, relacionados, por exemplo, à cor da pele, gênero, orientação sexual e religião. 

Deve ficar claro que ubuntu se opõe à discriminação negativa, seja contra homossexuais, mulheres ou por motivos de raça.  


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Fonte: Por dentro da África

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