- Em 9 de janeiro de 1822, ocorria o célebre o “Dia do Fico”, uma reação do então Príncipe Regente Dom Pedro de desobediência às determinações das Cortes portuguesas.
- O episódio se enquadra no processo da Revolução Liberal do Porto, em 1820, em Portugal. A Revolução de 1820, de caráter liberal, nacionalista e constitucional, buscava reestruturar o império português recolocando Portugal como centro político e administrativo – situação que fora alterada desde o estabelecimento da Família Real no Brasil, em 1808, e a elevação do Brasil a Reino Unido em 1815.
- Atendendo a esse propósito, D. João VI retornou a Portugal em abril de 1821. Deixou seu filho, D. Pedro, com 22 anos, à frente do país como Príncipe Regente. Os decretos das Cortes portuguesas O rei jurou obedecer à Constituição que estava sendo elaborada (ficou pronta apenas em 1826).
- Tornou-se, a partir de então, quase uma figura simbólica e cerimonial, enquanto o poder de fato passou a ser exercido pelas Cortes – uma assembleia bicameral formada pela câmara de deputados (eleitos por sufrágio) e pela câmara dos Pares do Reino (nomeados pelo monarca).
- As Cortes detinham o poder legislativo e era o órgão máximo da estrutura política, detendo a supremacia sobre todos os demais órgãos. Em 29 de setembro de 1821, as Cortes determinaram a criação de juntas provisórias de governo em todas as províncias do Brasil. As juntas teriam autoridade e jurisdição política, civil, econômica, administrativa e policial, ficando diretamente subordinadas a Lisboa.
- Cada província passaria ter o cargo de Governador das Armas sujeito ao governo do Reino (Portugal). Tais medidas tornavam inútil e dispendioso o governo do Príncipe Regente no Rio de Janeiro e daí a ordem de regresso imediato de D. Pedro para Portugal.
- Os decretos das Cortes chegaram ao Rio de Janeiro em 9 de dezembro. Dois dias depois, foram publicadas na Gazeta do Rio de Janeiro, provocando um clamor geral. No Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo surgiram diversas representações solicitando a permanência de D. Pedro no Brasil.
- Um manifesto foi, então, elaborado, em nome do povo do Rio de Janeiro, expondo os motivos para sustar a execução do decreto das Cortes. Argumentava que o regresso do Príncipe causaria danos ao país com perda de sua segurança e prosperidade e a possibilidade de ocorrer sua “emancipação” o que era indesejável para Portugal.
- O manifesto tinha 8 mil assinaturas, um número expressivo numa cidade com cerca de 100 mil habitantes, a grande maioria analfabetos.
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- Ao meio dia do dia 9 de janeiro de 1822, o manifesto foi levado a D. Pedro em marcha conduzida pelo senador José Clemente Pereira e seguida por “homens bons” e muitos cidadãos comuns.
- Apesar dessa pressão, D. Pedro ainda hesitou, como indica sua resposta imprecisa e dúbia, dada através de um edital lido e fixado nos lugares públicos:
- No dia seguinte, entretanto, outro edital do Senado foi tornado público, datado de 9 de janeiro, em que as palavras de D. Pedro estavam alteradas:
“Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação,
estou pronto; diga ao povo que fico.”
Significado do “Dia do Fico”
- A alteração das palavras de D. Pedro foi a frase que entrou para a História.
- A resposta oficial, bem menos enfática ou heróica, esclarece detalhes importantes que o Dia do Fico mitificado encobriu: naquele momento, janeiro de de 1822, o príncipe regente não tinha qualquer intenção separatista.
- Primeiro porque ele considerava o Brasil parte da “nação portuguesa”. Segundo, porque não pretendia romper com as Cortes, mas apenas retardar seu retorno a Portugal: “demorarei minha saída”.
- Era tão somente um jovem de 23 anos que estava sendo pressionado e tinha dúvidas sobre que opção tomar.
- Criado nas tradições absolutistas, D. Pedro reagia contra as Cortes de Lisboa cuja soberania impunha-se como superiores à Coroa. Opunha-se às Cortes que, dizia, reduziram o rei D. João VI a mero servidor do Poder Legislativo.
- Justificava a sua reação com o argumento de defender os direitos inerentes à Coroa portuguesa e, sobretudo os direitos do Brasil.
- Assim, se por um lado, as atitudes do Príncipe pareciam rebeldes, por outro não deixavam de enaltecer os laços entre os membros do império português, e mantinha a concepção de uma união entre Brasil e Portugal.
- Avesso às decisões de assembleias, como demonstrará em outras ocasiões, D. Pedro até pode ser considerado um liberal, jamais um democrata.
- Portanto, é um equívoco interpretar o Dia do Fico como o primeiro passo da independência.
- Até porque não se pode ver o passado com os olhos do futuro, isto é, analisar a história buscando confirmar ou achar evidências do que vai acontecer depois.
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“As Cortes Portuguesas em 1822”, óleo de Oscar Pereira da Silva, 1922, Museu Paulista, SP. |
Por que e a quem interessava a
“ficada” D. Pedro no
Brasil?
- O Dia do Fico –“a minha ficada, como lhe chamava Dom Pedro numa das suas cartas” (LIMA, 2019, p.176) – deve ser entendido no contexto da elite liberal brasileira da época que viu seus interesses econômicos e sociais ameaçados.
- De um lado, havia a decisão das Cortes em retomar o controle direto do Brasil (as províncias passariam a responder diretamente a Lisboa até que uma junta escolhida por Portugal fosse designada para governar o país). De outro, havia a possibilidade do país entrar em uma revolução emancipacionista como as que vinham ocorrendo na América do Sul, com guerras sangrentas e fragmentação territorial.
- Para os comerciantes e donos de terras e escravizados, a permanência de D.Pedro era importante para manter a ordem e a unidade interna.
- Preservar a monarquia, isto é, um centro de poder unindo o país era a opção para evitar a fragmentação do Brasil e, o maior dos medos, uma revolução social que cooptasse os escravizados a pegarem em armas.
- O medo da Revolução Haitiana (1791-184) era muito presente entre a elite escravocrata brasileira.
- Naquele momento, a grande preocupação da classe endinheirada era preservar seus privilégios e a ordem no país.
- A ideia de independência viria depois, ao longo daquele ano, mas sempre em torno de D.Pedro.
Fonte:
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Dia do Fico. In VAINFAS, Ronaldo.
Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002. LIMA, Oliveira. O movimento da independência (1821-1822).
Brasília: FUNAG, 2019 (edição fac-similar).
Ensinando História
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