Datas especiais podem
ser oportunidades para pais e filhos repensarem seus valores em relação ao
consumo
Um dos recursos mais
utilizados para tornar a criança consumista é a erotização precoce. Se se
consegue que ela comece a pintar o rosto aos 4, 5 anos; a prestar demasiada
atenção ao próprio corpo; a se preocupar com a marca do tênis calça, da roupa
que usa... essa criança precocemente erotizada manifesta trejeitos de adulto,
vocabulário de adulto, desejos de adulto. Ela é psicologicamente ‘adulta’ e
biologicamente infantil.
Em datas especiais,
como Natal e Dia das Crianças, os pais se preparam para satisfazer os sonhos e
desejos de seus filhos – pequenos consumidores cada vez mais exigentes. Motivados pela propaganda e pelo exemplo do comportamento
dos adultos, as crianças aguardam ansiosamente o dia 12 de outubro e os
presentes que esperam ganhar. A oferta nunca foi tão grande e as crianças e
jovens nunca foram tão bem informados quanto aos novos lançamentos e tendências
da indústria de brinquedos, roupas, tênis e afins.
O mercado de produtos
infanto-juvenis não pára de crescer, acompanhando e estimulando o aumento do
poder dos filhos para influenciar os pais na hora da compra. Segundo o último
censo do IBGE, 28% do total da população brasileira têm menos de 14 anos. São
35 milhões de crianças até dez anos de idade (22% da população), alimentando um
mercado que já movimenta cerca de 50 bilhões de reais, segundo informações do
Instituto Alana, de São Paulo.
Para manter os
consumidores mirins bem informado sobre as ofertas do mercado, só em 2006 foram
investidos 209,7 milhões de reais publicidade de produtos infantis no Brasil.
De acordo com a pesquisa IBGE – InterScience, 2003, as crianças influenciam 80%
das compras totais, em casa. E a quantidade de propaganda na TV parece ter tudo
a ver com isso. “O consumo nesta fase da vida, até os 12 anos de idade, é
estimulado em primeiro lugar pela publicidade na televisão, seguido pelo uso de
personagens famosos que fazem parte do imaginário infantil e pela embalagem dos
produtos”, descreve Isabela Henriques, advogada e coordenadora do projeto
Criança e Consumo, do Instituto Alana.
A propaganda surte
efeito também porque a presença da televisão no cotidiano das crianças
brasileiras é muito grande. De acordo com os dados do Painel Nacional de
Televisão do Ibope, as crianças brasileiras de 4 a 11 anos assistiram quase 5
horas de televisão (4h51min19s) por dia em 2005, número que colocou o Brasil em
primeiro lugar na quantidade de tempo que as crianças ficam diante do aparelho
no mundo, batendo até mesmo os Estados Unidos.
Bombardeadas pela
oferta de produtos nos intervalos comerciais dos seus programas televisivos
prediletos, bem como nas demais mídias a que estão expostos, os pequenos
consumidores passam a orientar e, muitas vezes, decidir as compras da família –
e não apenas em datas especiais. Para se ter uma idéia da abrangência do tema
no mundo, países como Suécia e Noruega e a província canadense do Quebec
proíbem completamente a publicidade voltada à criança e a Grécia veta o anúncio
de brinquedos, ainda que seja veiculado em programas adultos.
“Um estudo realizado no
Reino Unido mostrou que as crianças britânicas de 10 anos conhecem de 300 a 400
marcas famosas, mais de 20 vezes o número de espécies de aves de que sabem o
nome”, exemplifica Isabela.
Corroborando a tese, um estudo realizado pela TNS, empresa britânica especializada em pesquisas de mercado, em cinco países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Guatemala e México – entre julho e agosto deste ano, apontou que 71% das mães brasileiras confessaram estar dispostas a pagar mais pelas marcas que seus filhos preferem, principalmente no supermercado. A maioria das mães ouvidas na pesquisa geral (82%) disseram que seus filhos estão fortemente envolvidos na escolha de bolachas e chocolates e 61% das mães decidem a compra de bebidas e sucos de acordo com a preferência dos filhos, por exemplo. Com escolhas baseadas mais nos comercias que nos preços e na qualidade dos produtos, os pedidos feitos pelas crianças têm impacto certeiro no bolso de suas famílias.
De acordo com o
Instituto Alana, as crianças entre 2 e 7 anos assistem em média 12 propagandas
de alimentos por dia, enquanto crianças entre 8 e 12 anos assistem até a 21
comerciais. Do total, cerca de 50% das propagandas vistas na televisão pelas
crianças são de alimentos, sendo 34% de guloseimas e salgadinhos, 28% de
cereais, 10% de fast food, 1% de sucos de fruta e nenhuma de frutas e legumes.
Na infância, somos
suscetíveis à fantasia e aos apelos ao imaginário da propaganda, sem conseguir
diferenciar de forma efetiva o que é real da imaginação. “O artigo 36 do código
de Defesa do Consumidor diz que a publicidade deve ser facilmente percebida
como tal por quem a assiste e a criança só consegue distinguir a publicidade da
programação após os 10 anos de idade, de modo geral” explica a Isabela.
Além disso, de acordo
com a coordenação do Projeto Criança e Consumo, as crianças de até 6 anos não
possuem a representação simbólica necessária para o entendimento do valor do
dinheiro, isto é, não conseguem ainda saber se algo é caro ou barato, pois a
sua capacidade de entender os símbolos está em formação. Nessa idade também não
conseguem perceber o caráter persuasivo dos anúncios, que tem como finalidade
última vender um produto ou um serviço. Por isso, os pais precisam ficar
atentos e ajudar seus filhos a decifrar as mensagens publicitárias e decidir as
compras em conjunto. “Crianças que crescem com valores materialistas serão
adultos consumistas, no futuro”, define a coordenadora do Instituto Alana.
O comportamento
consumista, que começa quando a pessoa valoriza mais o “ter” do que o “ser”,
além de prejudicar as finanças da família no presente, com os gastos excessivos
e a preocupação com as marcas famosas, compromete a sustentabilidade da vida
humana no planeta, no futuro. Atualmente, mesmo com metade da humanidade
situada abaixo da linha de pobreza, já se consome 25% a mais do que a Terra
consegue renovar. Se a população do mundo passasse a consumir como os
habitantes dos países desenvolvidos, mais três planetas iguais ao nosso não
seriam suficientes para garantir os recursos naturais, produtos e serviços
básicos como água, energia e alimentos para todo mundo.
Então, o que fazer para
ajudar as crianças a entender o significado de suas compras e a importância de
consumir com consciência? Isabela Henriques dá algumas dicas, tais como não
colocar a televisão no quarto de crianças pequenas e limitar o tempo que os
filhos passam expostos aos meios de comunicação, não somente à televisão, mas
também ao computador e até mesmo ao rádio.
Apesar da influência
dos meios de comunicação, os pais e responsáveis desempenham papel importante
para que seus filhos estabeleçam desde cedo hábitos saudáveis de consumo. Um
primeiro passo é avaliar as próprias atitudes e comportamentos, já que as
crianças costumam seguir o exemplo dos adultos com quem convivem. “Aquela mãe
que fica chateada e corre para o shopping para fazer compras está passando a
mensagem errada para os filhos”, exemplifica Isabela.
Conversar sobre as
propagandas e produtos que interessam às crianças e assistir com elas aos seus
programas preferidos também é uma maneira positiva de lidar com a questão.
Assim os pequenos podem discutir os temas que aparecem na TV enquanto passam
mais tempo com os pais. Outra dica é realizar, junto com os filhos, atividades
que não incluam a televisão, como ler histórias, brincar, ouvir música,
cozinhar etc. e ir às compras somente quando for mesmo necessário. É preciso
ensiná-las a não depender exclusivamente de brinquedos e de produtos
industrializados para se divertirem e sentirem-se bem.
Doar roupas, móveis e
brinquedos usados desestimula, nas crianças, o apego excessivo aos bens
materiais. Nesse caso é importante que os pequenos participem do processo,
ajudando os pais a escolher quais as peças serão doadas. Os pais podem
argumentar, mas a decisão deve vir dos filhos.
Aproveitar as datas
comemorativas, como o Dia das Crianças que se aproxima, para renovar o
significado das celebrações é também outra forma de ensinar a garotada a se
relacionar de uma forma mais tranquila e menos ansiosa com o ato da compra.
Segundo anuncia o
Programa de Administração do Varejo, da Fundação Instituto de Administração
(Provar-FIA), os preços dos brinquedos devem permanecer altos nas semanas que antecedem
o Dia das Crianças. Negociar o presente e complementá-lo com a realização de
atividades lúdicas, na companhia dos pais, pode ser uma opção saudável,
educativa, afetivamente positiva e financeiramente atraente.
Saber a hora certa de
dizer “não” é fundamental para ajudar as crianças
a desenvolver hábitos
saudáveis de consumo, estabelecendo limites claros para os filhos.
Discutir abertamente
com as crianças sobre o que podem ou não comprar e o porquê da decisão, abrindo
espaço para o diálogo, é uma maneira de, educá-las e prepará-las para fazerem
suas próprias escolhas. São os “combinados”, que as crianças tendem a entender,
respeitar e até gostar (por incrível que pareça!).
Para saber MAIS .
"Dia a dia nega-se às
crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam
seus ensinamentos na vida cotidiana.
O mundo trata os
meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o
dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se
transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os
atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida
prisioneira.
Muita magia e muita
sorte têm as crianças que conseguem ser crianças." Eduardo Galeano
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