segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Além do consumismo infantil




Datas especiais podem ser oportunidades para pais e filhos repensarem seus valores em relação ao consumo


Um dos recursos mais utilizados para tornar a criança consumista é a erotização precoce. Se se consegue que ela comece a pintar o rosto aos 4, 5 anos; a prestar demasiada atenção ao próprio corpo; a se preocupar com a marca do tênis calça, da roupa que usa... essa criança precocemente erotizada manifesta trejeitos de adulto, vocabulário de adulto, desejos de adulto. Ela é psicologicamente ‘adulta’ e biologicamente infantil.





Em datas especiais, como Natal e Dia das Crianças, os pais se preparam para satisfazer os sonhos e desejos de seus filhos – pequenos consumidores cada vez mais exigentes.  Motivados pela propaganda e pelo exemplo do comportamento dos adultos, as crianças aguardam ansiosamente o dia 12 de outubro e os presentes que esperam ganhar. A oferta nunca foi tão grande e as crianças e jovens nunca foram tão bem informados quanto aos novos lançamentos e tendências da indústria de brinquedos, roupas, tênis e afins.
O mercado de produtos infanto-juvenis não pára de crescer, acompanhando e estimulando o aumento do poder dos filhos para influenciar os pais na hora da compra. Segundo o último censo do IBGE, 28% do total da população brasileira têm menos de 14 anos. São 35 milhões de crianças até dez anos de idade (22% da população), alimentando um mercado que já movimenta cerca de 50 bilhões de reais, segundo informações do Instituto Alana, de São Paulo.

Para manter os consumidores mirins bem informado sobre as ofertas do mercado, só em 2006 foram investidos 209,7 milhões de reais publicidade de produtos infantis no Brasil. De acordo com a pesquisa IBGE – InterScience, 2003, as crianças influenciam 80% das compras totais, em casa. E a quantidade de propaganda na TV parece ter tudo a ver com isso. “O consumo nesta fase da vida, até os 12 anos de idade, é estimulado em primeiro lugar pela publicidade na televisão, seguido pelo uso de personagens famosos que fazem parte do imaginário infantil e pela embalagem dos produtos”, descreve Isabela Henriques, advogada e coordenadora do projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana.


A propaganda surte efeito também porque a presença da televisão no cotidiano das crianças brasileiras é muito grande. De acordo com os dados do Painel Nacional de Televisão do Ibope, as crianças brasileiras de 4 a 11 anos assistiram quase 5 horas de televisão (4h51min19s) por dia em 2005, número que colocou o Brasil em primeiro lugar na quantidade de tempo que as crianças ficam diante do aparelho no mundo, batendo até mesmo os Estados Unidos.
Bombardeadas pela oferta de produtos nos intervalos comerciais dos seus programas televisivos prediletos, bem como nas demais mídias a que estão expostos, os pequenos consumidores passam a orientar e, muitas vezes, decidir as compras da família – e não apenas em datas especiais. Para se ter uma idéia da abrangência do tema no mundo, países como Suécia e Noruega e a província canadense do Quebec proíbem completamente a publicidade voltada à criança e a Grécia veta o anúncio de brinquedos, ainda que seja veiculado em programas adultos. 
“Um estudo realizado no Reino Unido mostrou que as crianças britânicas de 10 anos conhecem de 300 a 400 marcas famosas, mais de 20 vezes o número de espécies de aves de que sabem o nome”, exemplifica Isabela.

Corroborando a tese, um estudo realizado pela TNS, empresa britânica especializada em pesquisas de mercado, em cinco países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Guatemala e México – entre julho e agosto deste ano, apontou que 71% das mães brasileiras confessaram estar dispostas a pagar mais pelas marcas que seus filhos preferem, principalmente no supermercado.  A maioria das mães ouvidas na pesquisa geral (82%) disseram que seus filhos estão fortemente envolvidos na escolha de bolachas e chocolates e 61% das mães decidem a compra de bebidas e sucos de acordo com a preferência dos filhos, por exemplo. Com escolhas baseadas mais nos comercias que nos preços e na qualidade dos produtos, os pedidos feitos pelas crianças têm impacto certeiro no bolso de suas famílias.
De acordo com o Instituto Alana, as crianças entre 2 e 7 anos assistem em média 12 propagandas de alimentos por dia, enquanto crianças entre 8 e 12 anos assistem até a 21 comerciais. Do total, cerca de 50% das propagandas vistas na televisão pelas crianças são de alimentos, sendo 34% de guloseimas e salgadinhos, 28% de cereais, 10% de fast food, 1% de sucos de fruta e nenhuma de frutas e legumes.
Na infância, somos suscetíveis à fantasia e aos apelos ao imaginário da propaganda, sem conseguir diferenciar de forma efetiva o que é real da imaginação. “O artigo 36 do código de Defesa do Consumidor diz que a publicidade deve ser facilmente percebida como tal por quem a assiste e a criança só consegue distinguir a publicidade da programação após os 10 anos de idade, de modo geral” explica a Isabela.
Além disso, de acordo com a coordenação do Projeto Criança e Consumo, as crianças de até 6 anos não possuem a representação simbólica necessária para o entendimento do valor do dinheiro, isto é, não conseguem ainda saber se algo é caro ou barato, pois a sua capacidade de entender os símbolos está em formação. Nessa idade também não conseguem perceber o caráter persuasivo dos anúncios, que tem como finalidade última vender um produto ou um serviço. Por isso, os pais precisam ficar atentos e ajudar seus filhos a decifrar as mensagens publicitárias e decidir as compras em conjunto. “Crianças que crescem com valores materialistas serão adultos consumistas, no futuro”, define a coordenadora do Instituto Alana.
O comportamento consumista, que começa quando a pessoa valoriza mais o “ter” do que o “ser”, além de prejudicar as finanças da família no presente, com os gastos excessivos e a preocupação com as marcas famosas, compromete a sustentabilidade da vida humana no planeta, no futuro. Atualmente, mesmo com metade da humanidade situada abaixo da linha de pobreza, já se consome 25% a mais do que a Terra consegue renovar. Se a população do mundo passasse a consumir como os habitantes dos países desenvolvidos, mais três planetas iguais ao nosso não seriam suficientes para garantir os recursos naturais, produtos e serviços básicos como água, energia e alimentos para todo mundo.

Então, o que fazer para ajudar as crianças a entender o significado de suas compras e a importância de consumir com consciência? Isabela Henriques dá algumas dicas, tais como não colocar a televisão no quarto de crianças pequenas e limitar o tempo que os filhos passam expostos aos meios de comunicação, não somente à televisão, mas também ao computador e até mesmo ao rádio.
Apesar da influência dos meios de comunicação, os pais e responsáveis desempenham papel importante para que seus filhos estabeleçam desde cedo hábitos saudáveis de consumo. Um primeiro passo é avaliar as próprias atitudes e comportamentos, já que as crianças costumam seguir o exemplo dos adultos com quem convivem. “Aquela mãe que fica chateada e corre para o shopping para fazer compras está passando a mensagem errada para os filhos”, exemplifica Isabela.
Conversar sobre as propagandas e produtos que interessam às crianças e assistir com elas aos seus programas preferidos também é uma maneira positiva de lidar com a questão. Assim os pequenos podem discutir os temas que aparecem na TV enquanto passam mais tempo com os pais. Outra dica é realizar, junto com os filhos, atividades que não incluam a televisão, como ler histórias, brincar, ouvir música, cozinhar etc. e ir às compras somente quando for mesmo necessário. É preciso ensiná-las a não depender exclusivamente de brinquedos e de produtos industrializados para se divertirem e sentirem-se bem.
Doar roupas, móveis e brinquedos usados desestimula, nas crianças, o apego excessivo aos bens materiais. Nesse caso é importante que os pequenos participem do processo, ajudando os pais a escolher quais as peças serão doadas. Os pais podem argumentar, mas a decisão deve vir dos filhos.
Aproveitar as datas comemorativas, como o Dia das Crianças que se aproxima, para renovar o significado das celebrações é também outra forma de ensinar a garotada a se relacionar de uma forma mais tranquila e menos ansiosa com o ato da compra.
Segundo anuncia o Programa de Administração do Varejo, da Fundação Instituto de Administração (Provar-FIA), os preços dos brinquedos devem permanecer altos nas semanas que antecedem o Dia das Crianças. Negociar o presente e complementá-lo com a realização de atividades lúdicas, na companhia dos pais, pode ser uma opção saudável, educativa, afetivamente positiva e financeiramente atraente.
Saber a hora certa de dizer “não” é fundamental para ajudar as crianças 
a desenvolver hábitos saudáveis de consumo, estabelecendo limites claros para os filhos.
Discutir abertamente com as crianças sobre o que podem ou não comprar e o porquê da decisão, abrindo espaço para o diálogo, é uma maneira de, educá-las e prepará-las para fazerem suas próprias escolhas. São os “combinados”, que as crianças tendem a entender, respeitar e até gostar (por incrível que pareça!).

Para saber MAIS . 


"Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana.
O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida prisioneira.
Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças." Eduardo Galeano






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