Hugo Chávez morre em um
momento crítico da história da Venezuela. Ele também assumiu o poder
constitucionalmente, após uma tentativa malograda de golpe, em outro momento
crítico da história de seu país. Ao assumir, a Venezuela vivia profunda crise
política, decorrente da perda de legitimidade e credibilidade dos partidos
dominantes, que levou à sua generalizada rejeição. Ele morre, com seu país em
profunda crise econômica, com inflação e desabastecimento, sem lideranças
capazes de promover governança sustentada, seja na situação ou na oposição. O
ator chave na Venezuela pós-Chávez serão as Forças Armadas e os verdadeiros
fiadores do poder, serão os generais chavistas, seus antigos companheiros de
coronelato, que ele trouxe para a cúpula militar, deslocando os velhos
generais.
Para entender as
profundas incertezas e os riscos políticos associados à probabilidade não
desprezível de um governo militarmente tutelado ou mesmo um governo militar, é
preciso examinar o contexto da tomada do poder por Chávez e de sua caminhada
até seu declínio pessoal, físico, mas não político. O chavismo continua como a
principal força política do país, mas sem lideranças e sem herdeiros
capacitados. É inevitável que se transforme em outra coisa nos próximos meses e
anos, principalmente, tendo em vista a crise econômica não debelada, apesar do
crescimento recente, e a persistente dependência às receitas do petróleo, que
Chávez operou, sempre, para financiar seu projeto político.
A crise que levou ao
chavismo era marcada pela presença de amplas massas marginalizadas, elevada
alienação eleitoral e desmobilização política. A crise que Chávez deixa é
marcada por profunda e violenta polarização entre as elites e as classes médias
de um lado, e as massas populares, majoritariamente chavistas, de outro. Chávez
assumiu no ocaso das elites políticas e declínio das lideranças tradicionais.
Morre em uma situação de ausência de lideranças fortes e autônomas, na oposição
e no governo.
Quando Chávez assumiu,
a Venezuela vivia o declínio da democracia clientelista e oligárquica
estabelecida pelo Pacto de Punto Fijo, em 1958, cujos principais protagonistas
foram Rómulo Betancourt e Rafael Caldera, com apoio dos militares e dos líderes
dos outros partidos ativos no país. O pacto levou ao bipartidarismo de fato,
com os dois principais partidos a AD e o COPEI se alternando no poder e
partilhando os meios de dominação política. No ano em que Chávez se elegeu,
1998, a abstenção eleitoral foi superior ao voto dado aos partidos
tradicionais. Era a indicação derradeira do colapso da velha ordem política venezuelana.
Do ponto de vista
social, a situação era explosiva. Alto crescimento populacional (131% entre
1961 e 1999), rápida urbanização ( 40% de aumento da população urbana entre
1950 e 2000), e descontentamento popular em crescimento exponencial. Agregue-se
a esses componentes macrosociais, a marginalização das massas indígenas e a
desmobilização política e o que se tem é um terreno propício ao surgimento de
uma liderança popular e carismática. O que Chávez não conseguiu com sua
tentativa de golpe, em 1992, logrou realizar com seu discurso bolivariano, seis
anos depois. Assumiu o poder, com clara vocação hegemônica, mobilizando as
massas despossuídas e insuflando a mais profunda polarização política de seu
país.
Para sustentar esse
projeto bolivariano de poder, Chávez precisava, contudo, de mais do que apoio
popular. A tentativa de golpe contra ele, em 2002, deixou claro que a
polarização radicalizada e agressiva operava pelos dois lados. Desde o início,
Chávez voltou-se para as Forças Armadas, sua origem, como um recurso de poder
que precisava conquistar de imediato. Deixadas, elas se tornariam
inevitavelmente um instrumento de ameaça por parte das elites conservadoras.
Aposentou os velhos generais e promoveu ao generalato seus companheiros de
geração, como ele coronéis e tenente-coronéis, na época em que tentou o
malsucedido golpe, foi preso e teve sua carreira militar interrompida. Em
seguida, importou armamentos da Rússia, transformando as Forças Armadas
venezuelanas nas mais bem equipadas do continente. Finalmente, promoveu uma
ligação direta e estratégica entre as Forças Armadas e seu projeto social,
entregando aos grupamentos militares a condução das “Missiones Sociales”, seus
numerosos projetos sociais, destinados aos despossuídos, com forte conteúdo político,
mas operados pelos militares e não pelo partido, ou por lideranças políticas
civis. Os avanços sociais são inegáveis e sustentaram Chávez politicamente por
mais de uma década.
Daí o fato de que todas
as lideranças políticas civis, o vice-presidente Nicolás Maduro, o ex-vice
presidente e atual chanceler, Elias Jaua, e o chefe do parlamento e
vice-presidente do Partido Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, sejam
caudatárias do presidente morto. Foram criados por Chávez, por ele colocados em
seus postos. Jaua deixou a vice-presidência a mando de Chávez para disputar o
governo de Miranda com Enrique Capriles, principal figura da oposição. Perdeu.
Chávez não tinha mais forças para fazer uma campanha efetiva por ele. Quando o
presidente já estava moribundo e incapacitado de governar, Maduro, no exercício
de uma interinidade claramente inconstitucional, o nomeou ministro das Relações
Exteriores. Cabello, reelegeu-se chefe do parlamento, como Chávez queria. É o
único, dos três herdeiros presuntivos, com relações estreitas com os militares.
Tem mais poder que os outros dois, mas contra ele pesam graves acusações de
relações com o crime organizado, que cresceu muito nos últimos anos,
principalmente alicerçado pelo narcotráfico.
Após o enterro de
Chávez, que terá certamente cenas de desespero e tristeza entre as massas
populares e, provavelmente, momentos de violência contra os opositores do
morto, a Venezuela vai mergulhar na instabilidade e na incerteza. As massas
mobilizadas ganharão as ruas, sem um líder para dar-lhes direção. É pouco
provável que as forças do chavismo, as três lideranças já citadas, Maduro,
Cabello e Jaua, Adán Chávez, irmão,
governador de Barinas, fundador do PSUV e militante histórico da esquerda
venezuelana, e Jorge Areaza, o genro, atualmente ministro da Ciência e
Tecnologia, se mantenham unidas. Ao contrário, muito provavelmente, disputarão
o legado de Chávez e a liderança do chavismo sem seu chefe maior. Povo
mobilizado, enraivecido, frustrado, consternado e sem direção nas ruas e
divisões internas no governo, nunca deram bom terreno para a democracia e a
estabilidade.
A Venezuela viverá
momentos turbulentos sem Chávez e o resultado final é completamente incerto.
Certo é que, antes de um desfecho, uma nova ordem, o país passará por densas e
tumultuosas nuvens. É possível que sejam convocadas eleições em 30 dias, como
manda a Constituição. Maduro tentará, com certa vantagem, eleger-se presidente.
É esperado que Capriles, o enfrente. Capriles tem a vantagem de ter tido boa
votação contra Chávez e a desvantagem de ser contra Chávez. Maduro tem a
vantagem de ser identificado com o chavismo e com Chávez, seu vice-presidente,
declarado pelo finado presidente como seu continuador, e a desvantagem da falta
de carisma e, sobretudo, de credibilidade. Nada é certo na Venezuela, após 14
anos de comando com mão de ferro, centralizado pela figura carismática,
bombástica, irônica e histriônica de Hugo Chávez.
Fonte: http://www.ecopolitica.com.br
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