Flávia Milhorance
De Copenhague (Dinamarca)
para a BBC Brasil
(Foto: Flávia
Milhorance/BBC Brasil)Image copyrightFlavia Milhorance l BBC Brasil
A Dinamarca colhe hoje os
frutos de mais de 350 anos de empenho contra a corrupção no setor público e
privado e, mais uma vez, figura no topo do ranking de 168 países da ONG
Transparência Internacional, o principal indicador global de corrupção.
Desde que o índice foi
criado, em 1995, o país está nas primeiras posições – em que estão as nações
vistas como menos corruptas. Nos últimos cinco anos, só não esteve no primeiro
lugar em 2011, que ficou com a Nova Zelândia. Esse é o segundo ano consecutivo
em que está sozinha no topo.
O Brasil foi um dos países
que registrou a maior queda no ranking neste ano: caiu sete posições, para o
76º lugar. A ONG liga a queda ao escândalo da Petrobras.
O Índice de Percepção de
Corrupção é baseado em entrevistas com especialistas – em geral, membros de
instituições internacionais como bancos e fóruns globais – que avaliam a
corrupção no setor público de cada país.
Na raiz do bom desempenho
dinamarquês estão iniciativas de meados do século 17, quando a Dinamarca perdia
parte de seu reinado para a Suécia e via que era preciso ter uma administração
mais eficiente para coletar impostos e financiar batalhas em curso.
Numa época em que a
nobreza gozava de vários privilégios, o rei Frederik 3º proibiu que se
recebessem ou oferecessem propinas e presentes, sob pena até de morte. E
instituiu regras para contratar servidores públicos com base em mérito, não no
título. A partir de então, novas medidas foram sendo instituídas período a
período.
Peter Varga, coordenador
regional da Transparência Internacional para Europa e Ásia Central, alerta,
entretanto, que “países que estão no topo do ranking naturalmente não estão
livres de corrupção”, pondera.
Casos envolvendo empresas
e políticos vez ou outra ganham destaque na Dinamarca. Há dois anos, a empresa
dinamarquesa Maersk foi apontada na Operação Lava Jato como possível autora de
pagamento de propinas a ex-executivos da Petrobras. E a falta de controle nos
financiamentos de campanha é bastante criticada.
“Entretanto, neles isto é
uma exceção, não a regra”, complementa o representante da Transparência
Internacional.
Embora não esteja imune ao
problema, a Dinamarca traz alguns bons exemplos que podem servir de inspiração
para se combater a corrupção em países como o Brasil. Confira:
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Milhorance/BBC Brasil)Image copyrightFlavia Milhorance l BBC Brasil
1) Menos regalias para
políticos
O político Peder Udengaard
é membro reeleito do conselho municipal (o equivalente a um vereador) de
Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 300 mil habitantes.
Vive numa zona de classe média no centro e não possui carro, por isso vai a pé
ao trabalho. Recebe um salário de 10 mil coroas dinamarquesas (R$ 6 mil) para
horário parcial, complementados com atividades na direção de uma orquestra.
O único benefício que
recebe é um cartão para táxi, que só pode ser usado quando participa de eventos
oficiais. A entrevista concedida à BBC Brasil na prefeitura, por exemplo, não
estava nesta lista. Duas vezes ao ano, a prefeitura promove eventos fora da
cidade e, aí sim, pode-se gastar com deslocamento e alimentação. Presentes
precisam ser tornados públicos e repassados a entidades civis.
“Essas regras independem
do cargo, pode ser do mais baixo ao mais alto”, explica Udengaard. “Se eu
tivesse filhos, iriam para a escola pública; encontro meu eleitorado no
supermercado, na rua, no banco. Não tenho mais benefícios do que qualquer
cidadão. Se quisesse enriquecer ou ter privilégios, não seria político”,
completa.
Nos últimos anos, o
primeiro-ministro Lars Løkke Rasmussen foi acusado em algumas ocasiões de ter
usado dinheiro público para pagar contas em restaurantes, táxis, aviões, hotéis
e até roupas em cargos como prefeito, ministro e presidente da organização Global
Green Growth Institute (GGGI), que recebe recursos do governo.
Confirmaram-se roupas
pagas pelo seu partido, Venstre, e passagens pela GGGI, episódios duramente
criticados.
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2) Pouco espaço para
indicar cargos
Tentar beneficiar-se do
setor público não é tarefa fácil na Dinamarca. Um dos motivos é que, quando o
político é eleito, a equipe que trabalhará com ele é a mesma da gestão
anterior. Além disso, o profissional que não reportar um ato ilícito é
demitido.
“Receber incentivos
econômicos seria difícil, porque os funcionários não estão interessados em
acobertá-los”, afirma Peder Udengaard, garantindo nunca ter sido informado de
algum caso ilícito na prefeitura de Aarhus.
“Regras claras sobre
conflitos de interesse, códigos de ética e declaração patrimonial são muito
importantes”, comenta Peter Varga, destacando que elas geralmente são consideradas
eficientes em países no topo dos rankings de corrupção, mas ressaltando que
mesmo na Dinamarca a tentação de se aceitar propinas ou exercer influência
indevida é geralmente mais forte quanto mais perto se está do centro tomador de
decisões políticas.
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3) Transparência ampla
A Dinamarca também é
considerada a nação mais transparente no ranking “2016 Best Countries”
(“Melhores países 2016”), da Universidade da Pensilvânia, dos Estados Unidos.
Os sites dos governos, de
todas as instâncias, costumam ser bem munidos de dados sobre gastos de
políticos, salários, investimentos por áreas etc. E qualquer cidadão pode
requerer informações que não estejam lá.
No Brasil, especialistas
concordam que a transparência vem avançando. Fernanda Odilla de Figueiredo,
pesquisadora sobre corrupção do Brazil Institute no King’s College, de Londres,
elogia a Lei de Acesso à Informação e os portais de transparência, mas cobra
acesso irrestrito:
“Em 2013, informações
sobre viagens internacionais do presidente e do vice-presidente da República
foram reclassificadas e só poderão ser acessadas depois que eles deixarem o
poder, e no ano passado o governo de São Paulo decretou sigilo de determinados
dados”, critica.
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4) Polícia confiável e
preparada
Raramente, casos de
corrupção envolvem a polícia dinamarquesa. A confiança na instituição é
considerada muito alta, segundo o relatório 2015-2016 de competitividade global
do Fórum Econômico Mundial.
“A polícia goza de alto
nível de confiança. Ser um policial geralmente é considerado uma posição
relativamente de status. Isto faz jovens considerarem a carreira”, acrescenta o
especialista em segurança, Adam Diderichsen, professor da Universidade de
Aalborg.
Diderichsen também explica
que boas condições de trabalho agregam à qualidade do serviço. Após terminar o
ensino médio, policiais recebem pelo menos dois anos de treinamento.
A cultura policial
dinamarquesa dá ênfase a meios não coercitivos: eles usam armas, mas estão
menos propensos a empregá-las do que em países fora da Escandinávia. Em geral,
segundo o especialista, recebem um “bom salário de classe média, especialmente
se for levado em conta a generosa aposentadoria”.
5) Baixa impunidade
O código criminal da
Dinamarca proíbe propina ativa ou passiva, abuso de poder público, peculato,
fraude, lavagem de dinheiro e suborno.
Em 2013, o Parlamento
adotou emendas para fortalecer a prevenção, investigação e indiciamento de
crimes econômicos. As penas hoje vão de multa a prisão de seis anos. Elas não
são consideradas tão rígidas. Mesmo assim, são aplicadas e cumpridas.
Para a Transparência
Internacional, o motivo são as instituições fortes e independentes de Justiça.
Já segundo o especialista em corrupção Gert Tinggaard Svendsen, professor da
Universidade de Aarhus, há mais do que isso.
“As leis não são tão
duras, o que é duro é o mecanismo de punição. A tolerância à ilegalidade na
Dinamarca é baixíssima não só com relação às instituições, mas até com
indivíduos do convívio que infringem normas das mais simples”, diz.
(Foto: Flavia
Milhorance/BBC Brasil)Image copyrightFlavia Milhorance l BBC Brasil
Você deixaria
um carrinho (com um bebê) sozinho do lado de fora de uma loja? Na Dinamarca é
comum
6) Confiança social
Na Dinamarca, é comum
alugar um livro da biblioteca sem o intermédio de um funcionário. Em alguns
estabelecimentos, pode-se pegar o item, por exemplo uma fruta, e deixar o
dinheiro.
Ou, mais surpreendente,
famílias não hesitam em deixar seus filhos num carrinho de bebê do lado de fora
de um restaurante. Esses pontos, segundo Gert Tinggaard Svendsen, também autor
do livro Trust, têm algo em comum: a confiança.
“A confiança social traz
regras informais ao jogo. São regras não escritas, entre pessoas. A confiança é
a palavra-chave da autorregulação”, explica Tinggaard, que pesquisou em 86
países se as pessoas confiavam umas das outras. Na Dinamarca, mais de 70%
disseram que sim. No Brasil, apenas 10%.
Segundo ele, os
dinamarqueses historicamente passaram a confiar nos indivíduos e, além disso,
em suas instituições. Para a ONG, a confiança social ajuda a prevenir a
corrupção, pois torna o desvio à norma um tabu. Por outro lado, quanto maior a
corrupção, menor a confiança da população.
(Foto: Divulgação/niversidade
de Aarhus)Image copyrightUniversidade de Aarhus - Image captionTribunal de
Copenhague onde ocorria a maior parte dos julgamentos iniciados no século 19
7) Ouvidoria forte
A Ouvidoria Parlamentar é
um órgão que emprega cem funcionários e recebe por ano cinco mil reclamações
contra o governo. Destas, pelo menos 50% resultam em críticas ou recomendações.
Mais do que apenas notificações, a instituição tem poder de promover mudanças
das mais diversas.
“Se outros países
quisessem aprender com a Dinamarca, eles deveriam, por exemplo, ter um
escritório parlamentar de ouvidoria com uma auditoria independente para ajudar
a controlar o Legislativo e Executivo”, pontua Peter Varga, da Transparência
Internacional.
8) Empenho constante
contra a corrupção
O combate à corrupção na
Dinamarca começou no século 17, mas sofreu um aumento no século 19, após uma
crise econômica. Para controlar o problema, foi instaurada a tolerância zero na
administração real. Segundo a professora da Universidade de Aarhus, Mette Frisk
Jensen, pesquisadora do tema, os níveis de corrupção são baixos desde então.
Para Fernanda Odilla de
Figueiredo, a experiência da Dinamarca nos ensina que o combate à corrupção não
é resolvido de uma só vez. Trata-se de um processo longo, em que é preciso estar
sempre vigilante.
“O maior mérito da
Dinamarca não é ser o primeiro lugar do ranking, mas se manter no topo por
tanto tempo. Isso significa que o Brasil precisa não apenas melhorar o combate
à corrupção, como encontrar uma forma de fazer isso de forma estável e
consistente.”
Fonte:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160126_dinamarca_corrupcao_fm_ab
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